bielschowsky, Ricardo; STUMPO, giovanni. “A Internacionalização da Indústria Brasileira: Números e Reflexões depois de alguns anos de abertura” In: Baumann (org.) Brasil e a Economia Global. Rio de Janeiro, Campus, 1996.
O objetivo do presente artigo é analisar as tendências recentes da indústria manufatureira brasileira, relacionadas com a sua internacionalização. O texto tem duas partes principais: primeiro, apresentam-se indicadores básicos relativos ao grau de internacionalização da indústria e, em seguida, apresentam-se indicadores relativos a impactos estruturais da abertura comercial. No que tange aos indicadores do grau de internacionalização observa-se que estes evidenciam significativa aproximação aos padrões que predominam em alguns dos principais parques industriais do mundo. Quanto aos indicadores relativos ao “impacto”, estes distinguem o caso brasileiro das outras experiências na AL, onde a desindustrialização foi rápida e intensa.
A crescente integração internacional da indústria brasileira ocorre desde 1980. Há, basicamente, duas fases: primeiro, durante 1980, a elevação do coeficiente exportado com a preservação do fechamento das importações, motivado pela crise da dívida. O que se convenciona chamar de “industrialização substitutiva”; segundo, após a abertura há um rápido crescimento do coeficiente importado. Sendo que em 14 anos, a industria moveu-se rapidamente na direção de uma maior inserção internacional, primeiro nas exportações (1980), depois nas importações (1990), sendo a intensidade “total” de sua internacionalização superior à norte-americana e à japonesa.
Dividindo o setor manufatureiro em três grupos: indústria de insumos básicos (siderurgia, celulose, química/petroquímica, tipicamente intensiva em recursos naturais e capital); a indústria tradicional (têxtil, calçados), geralmente intensiva em mão-de-obra); e a indústria produtora de bens de capital e de consumo durável (“mecânicos” e “eletroeletrônicos”, geralmente intensiva em capital e tecnologia). O coeficiente exportado (CEX) dos três grupos é curiosamente parecido, aumentando entre 1980 e 1994, na maioria deles, na forma considerável. No caso do coeficiente importado (CPI), verifica-se que nos setores tradicionais, superam ligeiramente o nível de 1980 e, que se observa um impressionante salto entre 1989 e 1994 nas importações de bens de consumo durável e de bens de capital, elevando o CPI a 31,9%. Deve-se esperar que a abertura determine forte expansão de importações, refletindo uma situação conjuntural onde combinam-se forte apreciação cambial e acelerada ampliação da abertura comercial.
No que se refere à Globalização Produtiva esta entende-se por i) a participação do país nas redes mundiais de cadeias de produção de bens, importando e exportando simultaneamente insumos, partes, peças, componentes e produtos finais internos ao âmbito de uma mesma cadeia produtiva; e à capacidade que tem um país de absorver o “estado de arte” mundial em termos de tecnologia de organização e de produção. Neste caso o melhor indicador será o de comércio intra-industrial que implica que a maioria dos segmentos sejam simultaneamente exportadores e importadores, em volumes semelhantes. A indústria brasileira tem passado por forte racionalização, incluindo a absorção de técnicas organizacionais.
Outra dimensão básica da internacionalização e da globalização é a presença de capitais estrangeiros. Encontra-se no Brasil, em praticamente cada um dos setores mais dinâmicos pelo menos uma e quase sempre várias empresas gigantes transnacionais, aqui elas tem elevados sunk-costs (custos enraizados) e vislumbram um mercado futuro cujo crescimento em termos absolutos dificilmente pode ser ultrapassado por outra economia. (à exceção da China, Índia e Rússia). Em 1990, a participação de capitais estrangeiros nas vendas internas e nas exportações industriais alcançava, respectivamente, 33 e 44%. O problema é construir um ambiente econômico que os faça voltar a investir maciçamente. Para isso são necessárias estabilidade macroeconômica e recuperação do crescimento, além de outros.
No que se refere às dificuldades relativas à internacionalização pode-se citar a distante fronteira de eficiência da indústria brasileira, o comprovado atraso tecnológico. Sendo que as maiores falhas em termos de acesso residem em duas áreas: a insuficiência de atividades de pesquisa científica e tecnológica e na escassez de empresas nacionais no exterior. No caso da primeira, não só é escasso o montante total de recursos governamentais como o setor privado dá poucos sinais de interesse em investir em inovação.
Até 1994 a indústria brasileira parece ter tido maior capacidade de evitar excessiva destruição dos setores de maior densidade tecnológica e de maior dinamismo na demanda doméstica e internacional, consequentemente parece ter maior capacidade de absorver a revolução tecnológica internacional, e parece ter condições potenciais de voltar a contribuir decisivamente para a saúde do balanço de pagamentos. (tudo isso em relação aos demais países da AL).
Houve, nos últimos anos, forte elevação da produtividade, motivada essencialmente por uma generalizada racionalização produtiva. O impulso original veio entre 1990-91, do fato que a indústria brasileira passava pela maior crise de sua história. No entanto, a conclusão de todos os analistas tem sido de que o impacto da racionalização, em termos de elevação da produtividade, já deve estar se esgotando. Com o aprofundamento da abertura, as chances de minimizar o processo de “destruição” e maximizar o de “criação” vão diminuindo. No caso do Brasil, este se distingue dos países da AL por ter mantido, até aqui, relativamente intactas as bases para uma transição em direção a um parque industrial não só “moderno” e “globalizado” mas, também, “diversificado” (horizontal e verticalmente). O problema, agora, se resume essencialmente em abrir um novo ciclo de investimentos.
Analisando numa perspectiva, agora, de curto prazo (numa situação de vigência do Plano Real). É importante salientar que a “derrapagem” da balança comercial pode ter sido um acidente de percurso no processo de abertura. Essa “derrapagem” deu base a uma situação, obviamente, insustentável, revelando a fragilidade da balança frente aos planos de estabilização econômica baseados na valorização cambial.
Finalizando, este artigo coloca em questão a percepção generalizada de que a integração da indústria brasileira com o resto do mundo é ainda reduzida; e confirma a percepção de que a indústria ainda conversa grande potencial de competitividade internacional. Contudo, indica que, seu problema seja basicamente o de que, desde os anos 1970, os investimentos têm sido marcadamente insuficientes, por razões ligadas à instabilidade macroeconômica.
Em seu lado negativo, observa-se que em poucos meses de vigência do Plano Real, esvaiu-se expressivo saldo comercial que a indústria vinha produzindo e que, por mais de uma década, cumpriu a função-chave de cobrir os déficits estruturais em serviços financeiros e reais; segundo, persiste no país um clima de incertezas que barra a esperada retomada sustentável dos investimentos nos bens tradables. Incertezas estas que se prendem à evolução da variável chave ao Plano Real, a taxa de câmbio.
No curto prazo, a variável crucial da competitividade continua sendo a taxa de câmbio. O governo sabe que, no mundo real, cada país valoriza o uso das forças de mercado, mas as submete ao crivo de decisões estratégicas. “A título de especulação final, diríamos que falta muita vontade política, porque as dificuldades de desenho, coordenação e implementação de uma estratégia otimizadora são enormes: i) tornou-se difícil voltar a praticar políticas de corte setorial, do tipo que ainda se pratica em alguns dos países considerados “exemplares” em termo de condução de política econômica; ii) não existe maturidade sobre a combinação desejável entre políticas de corte “horizontal” (infra-estrutura de energia, transporte, ciência e tecnologia, capacitação laboral, fomento às exportações, etc.) e políticas de corte setorial; iii) O governo não dispõe, ainda, de instrumentos indispensáveis à execução de uma política de competitividade internacional: a) não tem como acompanhar e combater adequadamente as práticas “desleais” dos concorrentes; b) Não dispõe da capacidade de informar aos produtores locais a respeito dos custos (diretos e indiretos) de produção dos concorrentes; c) tem restrições orçamentárias para investimentos em infra-estrutura; d) não dispõe de instrumentos suficientemente hábeis de defesa do consumidor; e) não dispõe de mecanismo de incentivo à concorrência no mercado doméstico em áreas críticas para a competitividade do produtor nacional; f) não logra fazer uma reforma tributária que elimine os problemas relacionados as exportações; g) não dispõe de um sistema de crédito e de seguro para exportação abrangente e barato; h) não tem iniciativas abrangentes de “extensionismo industrial” que fortaleçam o acesso ao crédito e à tecnologia para as pequenas empresas; i) tem problemas fiscais que parecem restringir a oferta de recursos para pesquisa tecnológica e capacitação laboral; iv) o financiamento de longo prazo está debilitado; v) as restrições orçamentárias também impedem que se volte a conceder subsídios fiscais e creditícios, como fazem os desenvolvidos; vi) o governo se encontra relativamente desaparelhado para enfrentar as dificuldades de desenho e coordenação de uma nova política industrial.
Enfrentar esse monumental conjunto de dificuldades é difícil, mas está longe de ser impossível.
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