BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007,
119p.
p. 7 § 1
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...mudanças de curso seminais intimamente
interconectadas...
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ENTRANDO CORAJOSAMENTE NO
VIVEIROS DAS INCERTEZAS
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p. 7 § 2
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Em primeiro lugar, a passagem “sólida” da modernidade
para a “líquida”... as organizações sociais... não podem mais manter sua
forma por muito tempo... pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o
tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se
estabeleçam...
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p. 8 § 1
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Em segundo lugar, o iminente divórcio entre o
poder e a política... poder de agir efetivamente, antes disponível ao Estado
moderno, agora se afasta na direção de um espaço global...
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p. 8 § 2
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Em terceiro lugar, a retração ou redução
gradual... da segurança comunal, endossada pelo Estado, contra o fracasso e
infortúnio individuais retira da ação coletiva grande parte da atração que
esta exercia no passado e solapa os alicerces da solidariedade social...
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p. 9 § 1
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... a “sociedade” é cada vez mais vista e tratada
como uma “rede” em vez de uma “estrutura”
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... ela é percebida e
encarada como uma matriz de conexões e desconexões aleatórias e de um volume
essencialmente infinito de permutações possíveis.
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p. 9 § 2
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Em quarto lugar, o colapso do pensamento, do
planejamento e da ação a longo prazo... série de projeto de curto prazo que
são, em princípio, infinitos e não combinam com os tipos de sequência aos
quais conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”, “carreira” ou
“progresso” poderiam ser significativamente aplicados.
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p. 9 § 2
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...Uma vida assim fragmentada estimula
orientações “laterais”, mais do que “verticais”...
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p. 10 § 2
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Em quinto lugar, a responsabilidade em resolver
os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é
jogada nos ombros dos indivíduos...
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p. 10 § 2
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... como estas mudanças modificam o aspecto de
desafios que homens e mulheres encontram em seus objetivos individuais e
portanto, obliquamente, como influenciam a maneira como estes tendem a viver
suas vidas...
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PROBLEMA
HIPÓTESE – todas as
respostas seriam peremptórias, prematuras e potencialmente enganosas...
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p. 10 § 2
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... o melhor que o autor tentou e se sentiu
capacitado a fazer foi estudar as causas dessa incerteza – e talvez desnudar
alguns dos obstáculos que impedem a sua compreensão, e assim também nossa
capacidade de enfrentar (individualmente, e sobretudo, coletivamente) os
desafios que qualquer tentativa de controlá-las necessariamente apresenta.
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p. 11 § 2
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Em primeiro lugar, num planeta atravessado por “auto-estradas
da informação”, nada que acontece em alguma parte dele pode de fato, ou ao
menos potencialmente, permanecer do ‘lado de fora” intelectual...
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A VIDA LÍQUIDO-MODERNA E
SEUS MEDOS
Não há terra nula
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p. 12 § 2
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Em segundo lugar, num planeta aberto para à livre
circulação de capital e mercadorias, o que acontece em determinado lugar tem
um peso sobre a forma como as pessoas de todos os outros lugares vivem,
esperam ou supõem viver...
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p. 12 § 2
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... o bem estar de um lugar, qualquer que seja,
nunca é inocente em relação à miséria de outro...
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...Noventa por cento da
riqueza total do planeta estão nas mãos de apenas 1% de seus habitantes –
polarização de renda...
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p. 13 § 3
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...Todas as sociedades são agora total e
verdadeiramente abertas, seja material ou intelectualmente...
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...Junte os dois tipos de
abertura... e verá porque toda injúria, privação relativa ou indolência
planejada em qualquer lugar é coroada pelo insulto da injustiça: o sentimento
de que o mal foi feito, um mal que exige ser reparado, mas que, em primeiro
lugar, obriga as vítimas a vingarem seus infortúnios.
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p. 13 § 2
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... O atrito da “abertura”, antes de um produto
precioso, ainda que frágil, da corajosa mas estafante auto-afirmação, é
associado, hoje, principalmente a um destino irresistível...
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.... aos efeitos não
planejados e imprevistos da “globalização negativa” – ou seja, um
globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da
informação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo; todos
unânimes em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta
de respeito a qualquer fronteira entre Estados. Uma sociedade “aberta” é uma
sociedade exposta aos golpes do ‘destino”.
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p. 14 § 2
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As ações do governo dos EUA, diz ele, juntamente
com seus vários satélites maldisfarçados de “instituições internacionais”,
como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, geraram “produtos colaterais” perigosos,
“o nacionalismo, o fanatismo religioso, o fascismo e, evidentemente, o
terrorismo...
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Arundhati Roy: “Enquanto
a elite, em algum lugar do topo do mundo, busca viagens a destinos
imaginados, os pobres são apanhados numa espiral de crime e caos...
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p. 14 § 3
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“Mercados sem fronteira” é uma receita para a
injustiça e para a nova desordem mundial...
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(quando as armas falam as
leis silenciam)
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p. 15 § 1
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... Para serem muito seguras, elas acabam se
dispondo a correr o risco de serem menos livres...
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... A vida social se
altera quando as pessoas vivem atrás dos muros...
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p. 16 § 1
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...Obviamente, o ciclo do medo e das ações por
ele ditadas não deslizaria tão tranquilamente nem continuaria ganhando
velocidade se não continuasse a extrair sua energia de tremores existenciais.
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Hedgehog Review na
introdução do número especial dedicado ao medo: “Na ausência de conforto
existencial” as pessoas tendem a se concentrar “na segurança, ou na sensação
de segurança.”
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p. 17 § 2
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... Em outras palavras, buscamos alvos
substitutos sobre os quais possamos descarregar o medo existencial excedente
que foi barrado de seus escoadouros naturais...
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“O problema”, para citar
mais uma vez David L. Altheide, “é que essas atividades reafirmam e ajudam a
produzir um senso de desordem que nossas ações precipitam...”
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p. 18 § 2
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Grande parte do capital comercial pode ser – e é
– acumulada a partir da insegurança e do medo.
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p. 19 § 3
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... o círculo vicioso em questão foi
deslocado\transferido da área da segurança (ou seja, da autoconfiança e a
auto-afirmação ou ausência delas) para a da proteção (ou seja, de ser
resguardado das ameaças à própria pessoa e suas extensões, ou de se exposto a
elas.)
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p. 11 § 4q
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...As políticas de segurança contra infortúnios
individuais sustentadas pelas comunidades... Estado (“do bem-estar”) social,
estão sendo agora total ou parcialmente reduzidas e cortadas abaixo do limiar
em que seu nível é capaz de validar e sustentar o sentimento de segurança, e
portanto, também a autoconfiança dos atores.
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Um novo consenso sobre a
cidadania (“patriotismo constitucional” para usar o termo de Jurgen Habermas)
não pode ser construído atualmente da maneira como o era não faz muito tempo
– garantia de prova proteção constitucional contra os caprichos do mercado,
famoso por dilapidar as posições sociais e por sabotar os direito à estima
social e à dignidade pessoal.
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p. 21 § 3
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Adam Curtis... “Numa era em que as grandes ideias
perderam credibilidade, o medo do inimigo fantasma é tudo que restou aos
políticos para manterem seu poder.”
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p. 23 § 1
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...E a estratégia de lucrar com o medo está
igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que remonta aos anos iniciais
do ataque liberal ao Estado Social.
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p. 29 § 1
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...deve-se repetir que a matéria-prima e o
principal resultado da guerra travada contra os terroristas acusados de
semear o medo têm sido, até agora, o próprio medo.
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p. 29 § 1
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...se vincula e se restringe ao progresso técnico
e ao crescimento econômico altamente concentrador, sem mudança significativa
da distribuição de renda e das relações políticas e sociais assentadas numa
cultura política patrimonial e autoritária.
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Outro produto altamente
visível da guerra são as restrições de amplo alcance impostas às liberdades
pessoais... conclui Gearty, “só os
idealistas liberais” e outros simpatizantes igualmente crédulos podem
“esperar que o ramo judiciário conduza a sociedade” na defesa das liberdades
civis nestes “tempos de crise”
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p. 30 § 2
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...Os vínculos humanos são confortavelmente
frouxos, mas, por isso mesmo, terrivelmente precários, e é tão difícil
praticar a solidariedade quanto compreender seus benefícios, e mais ainda
suas virtudes morais.
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...num mundo me que
poucas pessoas continuam a acreditar que mudar a vida dos outros tenha alguma
relevância para a sua; num mundo, em
outras palavras, em que cada indivíduo é abandonado à própria sorte, enquanto
a maioria das pessoas funciona como ferramenta para a promoção de terceiros.
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p. 31 § 1
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... o século atual como seu desafio supremo, é
unir novamente o poder e a política
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... O que resta da força
e da política a cargo do Estado e de seus órgãos se reduz gradualmente a um
volume talvez suficiente para guarnecer pouco mais de uma grande delegacia de
polícia.
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p. 31 § 3
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Num planeta negativamente globalizado, todos os
principais problemas – os metaproblemas que condicionam o enfrentamento de
todos os outros – são globais e, sendo assim, não admitem soluções locais.
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Os europeus não
desfrutarão por muito tempo de suas liberdades se as pessoas de outras partes
do mundo permanecerem excluídas e humilhadas.
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p. 33 § 1
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Cem anos atrás, Rosa Luxemburgo sugeriu que,
embora o capitalismo “necessite de organizações sociais não-capitalistas como
cenário para o seu desenvolvimento... ele avança assimilando a própria
condição capaz de si só de garantir a sua existência.”
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A HUMANIDADE EM MOVIMENTO
O paradoxo inerente do
capitalismo é, a longo prazo, sua perdição: o capitalismo é uma cobra que se
alimenta do próprio rabo.
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p. 35 § 1
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A quantidade de seres humanos tornada excessiva
pelo triunfo do capitalismo global cresce inexoravelmente e agora está perto
de ultrapassar a capacidade administrativa do planeta.
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...pessoas desperdiçadas
no equilíbrio político e social da coexistência humana planetária.
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p. 31 § 1
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A primeira delas a obstrução de escoadouros que
nos passado permitiam a drenagem e a limpeza regulares e oportunas dos
“excedentes humanos” ... a população supérflua, supranumerária e
irrelevante...
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A nova “plenitude do planeta” – o âmbito
global dos mercados financeiros, de mercadorias e de trabalho, da
modernização administrada pelo capital, e portanto também do modo de vida
moderno – tem duas consequências diretas
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p. 37-38 § 3
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... o excedente populacional... seu estado de
exclusão é uma anomalia
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Outras terras não
convidarão os excedentes... em oposição aos produtores de lixo de outrora,
que costumavam buscar e encontrar soluções globais para os problemas
produzidos localmente, esses “retardatários da modernidade” são obrigados a
buscar soluções locais para problema causados globalmente...
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p. 39 § 3
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“quase-soluções para problemas globais”
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As guerras e os massacres
tribais, a proliferação de “exercito de guerrilheiros” ou gangues de crimosos
e traficantes de drogas posando de defensores da liberdade, ocupados em
dizimar as fileiras uns dos outros, mas absorvendo e, no devido tempo,
aniquilando nesse processo o “excedente populacional”...
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p. 43 § 3
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Um dos efeitos mais sinistros da globalização é a
desregulamentação das guerras.
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A maior parte das ações
belicosas dos dias de hoje, e das mais cruéis e sangrentas entre elas, são
travadas por entidades não-estatais...
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p. 44 § 3
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Uma vez refugiado, sempre refugiado...
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Nunca estão livres de um
persistente senso de transitoriedade e indefinição, assim como da natureza
provisória de qualquer assentamento...
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p. 46 § 2
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A caminho dos campos, os futuros moradores são
despidos de todos os elementos de suas identidades menos um: o de refugiado
sem Estado, sem lugar, sem função e ”sem documentos”...
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Agier reflete se o
humanitário não é um “agente da exclusão a um custo menor” e ... um
dispositivo planejado para descarregar e dissipar a ansiedade do resto do
mundo, absolver os culpados e tranquilizar os escrúpulos dos espectadores,
assim como reduzir o senso de urgência e o medo do acaso...
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p. 46-47 § 1
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...Fora daquele lugar, os refugiados seriam
vistos como um obstáculo e um problema; dentro dele, são esquecidos.
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... Os portadores do
estigma serão mantidos definitivamente à distância em razão de sua humanidade
inferior, o que representa uma desumanização tanto física quanto moral...
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p. 47 § 1
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Nada resta senão os muros, o arame farpado, os
portões controlados, os guardas armados. Entre si, eles definem a identidade
do refugiado – ou melhor, eliminam o seu direito de autodefinição, que dirá
de auto-afirmação.
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Todo refugo, incluindo o
lixo humano, tende a ser depositado indiscriminadamente no mesmo local. Esta
destinação do lixo põe fim as diferenças, individualidades e idiossincrasias.
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p. 49 § 1
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... O novo folclore urbano cada vez mais
incrementado coloca as vítimas da exclusão planetária no papel de principais
“vilões da peça”...
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As pessoas em busca de
asilo, conclui Younge, “são, provavelmente, mais vítimas que criminosas...”
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p. 51 § 4
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... Num mundo repleto de comunidades imaginadas,
são os inimagináveis...
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p. 53 § 3
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A permanência da transitoriedade; a durabilidade
do provisório...
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p. 58 § 2
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Naomi Klein observou uma tendência cada vez mais
forte e generalizada... no sentido de uma “fortaleza regional em múltiplas
camadas”...
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... convidar um ou dois
países pobres para ter acesso as suas fronteiras, pois alguém tem que pegar
no pesado e fazer o trabalho sujo...
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p. 60 § 2
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... O processo previsto pela primeira vez um
século atrás por Rosa Luxemburgo... alcançou seu derradeiro limite.
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(embora em termos
principalmente econômicos, e não explicitamente sociais)
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p. 61 § 2
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...temores circundantes e as obsessões com
segurança tiveram nos últimos anos o desenvolvimento mais espetacular...
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p. 61 § 2
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O sofrimento humano...provém do “poder superior
da natureza, da fragilidade de nossos corpos e da inadequação dos
regulamentos que ajustam as relações dos seres humanos na família, no Estado
e na sociedade”
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Segundo Freud
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p. 62 § 2
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... no caso do terceiro tipo de sofrimento: a
miséria com origem genuína ou supostamente social. Tudo que é feito por seres
humanos pode ser refeito por seres humanos. Nesse caso, portanto, não
aceitamos quaisquer limites à reconstrução da realidade.
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Todo caso de infelicidade
socialmente determinada é, portanto, um desafio, um caso de abuso e um
chamado às armas... um culpado cujo nome e endereço ainda estão por se
revelar...
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p. 63 § 2
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Podemos afirmar que a variedade moderna de
insegurança é caracterizada distintivamente pelo medo da maleficência e dos
malfeitores humanos...
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Castel atribui à
individualização moderna a responsabilidade por esse estado de coisas...
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p. 64 § 2
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O enervante senso de insegurança não teria brotado
não fosse pela ocorrência simultânea de duas transformações que tiveram lugar
na Europa – que só se dissemiram depois, e a uma velocidade variável, para
outras partes do planeta.
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A primeira foi... a
“sobrevalorização” dos indivíduos (terminologia de Castel) libertos das
restrições impostas pela densa rede de vínculos sociais... uma segunda
mudança ocorreu logo em seguida: a fragilidade e vulnerabilidade sem
precedentes desses indivíduos privados da proteção que lhes era oferecida
trivialmente no passado por aquela densa rede de vínculos sociais.
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p. 65 § 1
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Desde o começo, o Estado moderno foi, portanto
confrontado com a tarefa assustadora de administrar o medo.
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p. 61 § 2
|
...Ao contrário da opinião já amplamente
aceita, é a proteção (o seguro coletivo contra o infortúnio individual), e
não a redistribuição de riquezas, que está no cerno do “Estado Social” a que
o desenvolvimento do Estado moderno inflexivelmente conduziu.
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p. 67 § 2
|
... o longo processo com o sonho da segurança
pessoal, seguido por uma extensa luta contra o poder arbitrário de reis e
príncipes...
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...até que a conduta dos
soberanos reais se tornasse previsível mediante a sujeição a normas jurídicas
que os próprios soberanos não tinham permissão e\ou não eram capazes de
alterar nem suspender por vontade própria, sem o consentimento dos súditos...
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p. 67 § 2
|
... a demanda por poderes políticos... por
desempenhar um papel significativo na elaboração de leis, foi, segundo
Marshall, o ponto seguinte da agenda...
|
...o passo lógico a ser
dado quando os direitos pessoais já tinham sido conquistados e era preciso
defende-los...
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p. 68 § 2
|
Não podemos estar seguros de nossos direitos
pessoais se não formos capazes de exercer direitos políticos e fizermos essa
capacidade pesar no processo de elaboração das leis...
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O direito de voto... só
poderia ser significativamente
exercido por aqueles “que possuem recursos econômicos e culturais
suficientes” para “se livrarem da servidão voluntária ou involuntária que
corta pela raiz qualquer possível autonomia de escolha (e\ou sua delegação)
|
p. 69 § 2
|
... a democracia é uma aventura seletiva e
estritamente limitada...
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... os direitos
inalienáveis estabelecidos pelos Pais Fundadores da democracia americana,
“não incluía direitos iguais para as mulheres nem o direito de votar ou
direito à propriedade – nem mesmo a abolição da escravatura” (John Searle)
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p. 70 § 2
|
... os direitos políticos podem ser usados para enraizar e
solidificar as liberdades pessoais assentadas no poder econômico,
dificilmente garantirão liberdades pessoais aos despossuídos, que não tem
direito aos recursos sem os quais a liberdade pessoal não pode ser obtida
nem, na prática, desfrutada.
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... na opinião dos ricos,
elas não precisem nem deveriam ser dotadas dos direitos políticos que devem servir
a esse propósito... uma vez que tais pessoas não são, por esse motivo
admitidas no seleto grupo do eleitorado... elas terão poucas chances de obter
os recursos materiais e culturais que as tornariam aptas a serem premiadas
com os direitos políticos...
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p. 71 § 1
|
... sem direitos sociais, os direitos políticos
continuarão sento um sonho inatingível, uma ficção inútil ou uma piada cruel
para grande parte daqueles a quem eles foram concedidos pela letra da lei...
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...Enquanto permanecerem desprovidos de recursos,
os pobres podem esperar no máximo serem recebedores de transferências e não
sujeitos de direitos....
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p. 71 § 3
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A liberdade de escolha é acompanhada de imensos e
incontáveis riscos de fracasso...
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p. 72 § 2
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... a democracia moderna passou a ter a função de
usar as instituições e os processos políticos para reformar as realidades
sociais...passou da tarefa de conservar o equilíbrio das forças sociais para
a de transformá-la.
|
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p. 73 § 3
|
A desintegração da solidariedade significou o fim
da maneira sólido-moderna de administrar o medo...
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Uma vez que a competição substitui a
solidariedade, os indivíduos se veem abandonados aos próprios recursos –
lamentavelmente escassos e evidentemente inadequados.
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p. 76 § 2
|
Subclasse... não menos tênue é a linha que separa
os “excedentes” dos criminosos... permanentemente marginalizados, inadequados
para a “reciclagem social” e designados a serem mantidos permanentemente
fora, longe da comunidade dos cidadãos cumpridores da lei.
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p. 77 § 2
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... proteger-se do perigo era “um dos principais
incentivos à construção de cidades cujas divisas eram muitas vezes definidas
por amplas muralhas ou cercas, das antigas aldeias da Mesopotâmia às cidades
medievais e aos assentamentos dos nativos americanos” (Nan Ellin)
|
... “De lugar relativamente seguro”, contudo, a
cidade tem sido associada, principalmente nos últimos centos e poucos anos,
“mais ao perigo que proteção”.
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p. 79 § 2
|
“Quando os moradores estendem seus espaços de
comunicação para a esfera internacional, muitas vezes afastam simultaneamente
os seus lares da vida pública por meio da infra-estrutura de segurança cada
vez mais “inteligentes”, comentam Graham e Marvin.
|
... Ao mesmo tempo, porém, há frequentemente
nesses lugares um senso palpável e crescente de desconexão local em relação a
lugares e pessoas fisicamente próximos, mas social e economicamente
distantes.
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p. 80 § 2
|
As pessoas da “camada superior” não pertencem ao
lugar que habitam, pois suas preocupações estão... em outro lugar.
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Em conjunto, as atuais elites urbanas são despreocupadas em
relação aos assuntos de “sua” cidade, que vem a ser apenas uma localidade
entre outras, todas elas sendo pequenas e insignificantes do ponto de vista
do ciberespaço – seu lar verdadeiro, ainda que virtual.
|
p. 81 § 2
|
Os cidadãos urbanos da camada inferior são
“condenados a permanecerem locais” – e portanto se pode e deve esperar que
suas atenções e preocupações, juntamente com seus descontentamentos, sonhos e
esperanças, se concentrem nos “assuntos locais”...
|
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p. 81 § 5
|
... As comunidades fechadas são criadas para
serem mundos separados...
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p. 83 § 3
|
...Explicitamente, o propósito dos “espaços
interditados” é dividir, segregar e excluir – não construir pontes, passagens
acessíveis e locais de encontro, facilitar a comunicação e agregar de outras
formas os moradores da cidade.
|
Esses e outros tipos de “espaços interditados” têm
um único – embora complexo – propósito: isolar os enclaves extraterritoriais
do espaço urbano contínuo...
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p. 88 § 3
|
... ainda que suas raízes e causas recônditas
sejam indubitavelmente globais e distantes, os assuntos só entram no domínio
das preocupações políticas por meio de seus subprodutos e repercussões
locais...
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Resumindo uma longa história: as cidades se
tornaram depósitos sanitários de problemas concebidos e gerados
globalmente... surge o paradoxo de uma política cada vez mais local num mundo
progressivamente modelado e remodelado por processos globais.
|
p. 90 § 3
|
... as cidades são espaços em que estranhos ficam
e se movimentam em estreita proximidade uns com os outros...
|
O medo ambiente, ainda que subliminar, do
desconhecido busca desesperadamente escoadouros de confiança.
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p. 92 § 3
|
A “mixofobia” é uma
reação altamente previsível e generalizada à impressionante, desagradável e
enervante variedade de tipos humanos e estilos de vida que se encontram e se
esbarram nas ruas das cidades contemporâneas...
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... os homens têm medo da participação, medo de
seus perigos e ameaças, medo de sua dor... A atração de uma “comunidade da
mesmice” é a de uma apólice de seguro contra os riscos que povoam a vida diária
num mundo polivocal.
A tendência a um ambiente homogêneo,
territorialmente isolado, pode ser deflagrada pela mixofobia.
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p. 95 § 2
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A cidade estimula a mixofilia da mesma forma que inculca e
alimenta a mixofobia. Intrínseca e inseparavelmente, a vida na cidade é um
negócio ambivalente.
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A vida na cidade é uma experiência notoriamente
ambivalente. Ela atrai e repele.
A mixofilia e a mixofobia coexistem em toda
cidade, mas também dentro de cada um de seus moradores.
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p. 96 § 3
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Homogeneizar os bairros
residenciais e então reduzir ao mínimo inevitável todo o comércio e
comunicação entre eles é uma receita infalível para a intensificação e o
aprofundamento do impulso de excluir e segregar.
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A “fusão” exigida pela compreensão mútua só pode
resultar da experiência compartilhada. E compartilhar experiência é
inconcebível sem um espaço comum.
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p. 100 § 1
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... sonhamos com um mundo
no qual possamos confiar e acreditar. Um mundo seguro.
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... o mundo moderno seria um mundo otimista
... o progresso era uma corrida atrás de utopias,
e não sua realização. As utopias faziam
o papel da falsa lebre...
Não poderia ter existido uma “primeira cidade” a
menos que, antes de sua construção, tivesse havido a ‘utopia de uma cidade”!
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Leandro Moreira da Luz é aluno da
disciplina Literatura e outras linguagens: relações dialógicas no Programa de
Pós-Graduação em Sociedade e Desenvolvimento da Universidade Estadual do
Paraná. Campus de Campo Mourão – período 1/2014.