sábado, 25 de julho de 2015

Fichamento (BAUMAN): Tempos Líquidos.



            BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007, 119p.

p. 7 § 1
...mudanças de curso seminais intimamente interconectadas...
ENTRANDO CORAJOSAMENTE NO VIVEIROS DAS INCERTEZAS
p. 7 § 2
Em primeiro lugar, a passagem “sólida” da modernidade para a “líquida”... as organizações sociais... não podem mais manter sua forma por muito tempo... pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam...

p. 8 § 1
Em segundo lugar, o iminente divórcio entre o poder e a política... poder de agir efetivamente, antes disponível ao Estado moderno, agora se afasta na direção de um espaço global...

p. 8 § 2
Em terceiro lugar, a retração ou redução gradual... da segurança comunal, endossada pelo Estado, contra o fracasso e infortúnio individuais retira da ação coletiva grande parte da atração que esta exercia no passado e solapa os alicerces da solidariedade social...

p. 9 § 1
... a “sociedade” é cada vez mais vista e tratada como uma “rede” em vez de uma “estrutura”
... ela é percebida e encarada como uma matriz de conexões e desconexões aleatórias e de um volume essencialmente infinito de permutações possíveis.
p. 9 § 2
Em quarto lugar, o colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo... série de projeto de curto prazo que são, em princípio, infinitos e não combinam com os tipos de sequência aos quais conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”, “carreira” ou “progresso” poderiam ser significativamente aplicados.

p. 9 § 2
...Uma vida assim fragmentada estimula orientações “laterais”, mais do que “verticais”...


p. 10 § 2
Em quinto lugar, a responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada nos ombros dos indivíduos...

p. 10 § 2
... como estas mudanças modificam o aspecto de desafios que homens e mulheres encontram em seus objetivos individuais e portanto, obliquamente, como influenciam a maneira como estes tendem a viver suas vidas...
PROBLEMA
HIPÓTESE – todas as respostas seriam peremptórias, prematuras e potencialmente enganosas...

p. 10 § 2
... o melhor que o autor tentou e se sentiu capacitado a fazer foi estudar as causas dessa incerteza – e talvez desnudar alguns dos obstáculos que impedem a sua compreensão, e assim também nossa capacidade de enfrentar (individualmente, e sobretudo, coletivamente) os desafios que qualquer tentativa de controlá-las necessariamente apresenta.

p. 11 § 2
Em primeiro lugar, num planeta atravessado por “auto-estradas da informação”, nada que acontece em alguma parte dele pode de fato, ou ao menos potencialmente, permanecer do ‘lado de fora” intelectual...
A VIDA LÍQUIDO-MODERNA E SEUS MEDOS
Não há terra nula
p. 12 § 2
Em segundo lugar, num planeta aberto para à livre circulação de capital e mercadorias, o que acontece em determinado lugar tem um peso sobre a forma como as pessoas de todos os outros lugares vivem, esperam ou supõem viver...

p. 12 § 2
... o bem estar de um lugar, qualquer que seja, nunca é inocente em relação à miséria de outro...
...Noventa por cento da riqueza total do planeta estão nas mãos de apenas 1% de seus habitantes – polarização de renda...
p. 13 § 3
...Todas as sociedades são agora total e verdadeiramente abertas, seja material ou intelectualmente...
...Junte os dois tipos de abertura... e verá porque toda injúria, privação relativa ou indolência planejada em qualquer lugar é coroada pelo insulto da injustiça: o sentimento de que o mal foi feito, um mal que exige ser reparado, mas que, em primeiro lugar, obriga as vítimas a vingarem seus infortúnios.
p. 13 § 2
... O atrito da “abertura”, antes de um produto precioso, ainda que frágil, da corajosa mas estafante auto-afirmação, é associado, hoje, principalmente a um destino irresistível...
.... aos efeitos não planejados e imprevistos da “globalização negativa” – ou seja, um globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da informação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo; todos unânimes em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta de respeito a qualquer fronteira entre Estados. Uma sociedade “aberta” é uma sociedade exposta aos golpes do ‘destino”.
p. 14 § 2
As ações do governo dos EUA, diz ele, juntamente com seus vários satélites maldisfarçados de “instituições internacionais”, como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, geraram “produtos colaterais” perigosos, “o nacionalismo, o fanatismo religioso, o fascismo e, evidentemente, o terrorismo...
Arundhati Roy: “Enquanto a elite, em algum lugar do topo do mundo, busca viagens a destinos imaginados, os pobres são apanhados numa espiral de crime e caos...
p. 14 § 3
“Mercados sem fronteira” é uma receita para a injustiça e para a nova desordem mundial...
(quando as armas falam as leis silenciam)
p. 15 § 1
... Para serem muito seguras, elas acabam se dispondo a correr o risco de serem menos livres...
... A vida social se altera quando as pessoas vivem atrás dos muros...
p. 16 § 1
...Obviamente, o ciclo do medo e das ações por ele ditadas não deslizaria tão tranquilamente nem continuaria ganhando velocidade se não continuasse a extrair sua energia de tremores existenciais.
Hedgehog Review na introdução do número especial dedicado ao medo: “Na ausência de conforto existencial” as pessoas tendem a se concentrar “na segurança, ou na sensação de segurança.”
p. 17 § 2
... Em outras palavras, buscamos alvos substitutos sobre os quais possamos descarregar o medo existencial excedente que foi barrado de seus escoadouros naturais...
“O problema”, para citar mais uma vez David L. Altheide, “é que essas atividades reafirmam e ajudam a produzir um senso de desordem que nossas ações precipitam...”
p. 18 § 2
Grande parte do capital comercial pode ser – e é – acumulada a partir da insegurança e do medo.

p. 19 § 3
... o círculo vicioso em questão foi deslocado\transferido da área da segurança (ou seja, da autoconfiança e a auto-afirmação ou ausência delas) para a da proteção (ou seja, de ser resguardado das ameaças à própria pessoa e suas extensões, ou de se exposto a elas.)

p. 11 § 4q

...As políticas de segurança contra infortúnios individuais sustentadas pelas comunidades... Estado (“do bem-estar”) social, estão sendo agora total ou parcialmente reduzidas e cortadas abaixo do limiar em que seu nível é capaz de validar e sustentar o sentimento de segurança, e portanto, também a autoconfiança dos atores.
Um novo consenso sobre a cidadania (“patriotismo constitucional” para usar o termo de Jurgen Habermas) não pode ser construído atualmente da maneira como o era não faz muito tempo – garantia de prova proteção constitucional contra os caprichos do mercado, famoso por dilapidar as posições sociais e por sabotar os direito à estima social e à dignidade pessoal.
p. 21 § 3
Adam Curtis... “Numa era em que as grandes ideias perderam credibilidade, o medo do inimigo fantasma é tudo que restou aos políticos para manterem seu poder.”

p. 23 § 1
...E a estratégia de lucrar com o medo está igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que remonta aos anos iniciais do ataque liberal ao Estado Social.

p. 29 § 1
...deve-se repetir que a matéria-prima e o principal resultado da guerra travada contra os terroristas acusados de semear o medo têm sido, até agora, o próprio medo.

p. 29 § 1
...se vincula e se restringe ao progresso técnico e ao crescimento econômico altamente concentrador, sem mudança significativa da distribuição de renda e das relações políticas e sociais assentadas numa cultura política patrimonial e autoritária.
Outro produto altamente visível da guerra são as restrições de amplo alcance impostas às liberdades pessoais...    conclui Gearty, “só os idealistas liberais” e outros simpatizantes igualmente crédulos podem “esperar que o ramo judiciário conduza a sociedade” na defesa das liberdades civis nestes “tempos de crise”
p. 30 § 2
...Os vínculos humanos são confortavelmente frouxos, mas, por isso mesmo, terrivelmente precários, e é tão difícil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefícios, e mais ainda suas virtudes morais.
...num mundo me que poucas pessoas continuam a acreditar que mudar a vida dos outros tenha alguma relevância para a sua; num  mundo, em outras palavras, em que cada indivíduo é abandonado à própria sorte, enquanto a maioria das pessoas funciona como ferramenta para a promoção de terceiros.
p. 31 § 1
... o século atual como seu desafio supremo, é unir novamente o poder e a política
... O que resta da força e da política a cargo do Estado e de seus órgãos se reduz gradualmente a um volume talvez suficiente para guarnecer pouco mais de uma grande delegacia de polícia.
p. 31 § 3
Num planeta negativamente globalizado, todos os principais problemas – os metaproblemas que condicionam o enfrentamento de todos os outros – são globais e, sendo assim, não admitem soluções locais.
Os europeus não desfrutarão por muito tempo de suas liberdades se as pessoas de outras partes do mundo permanecerem excluídas e humilhadas.
p. 33 § 1
Cem anos atrás, Rosa Luxemburgo sugeriu que, embora o capitalismo “necessite de organizações sociais não-capitalistas como cenário para o seu desenvolvimento... ele avança assimilando a própria condição capaz de si só de garantir a sua existência.”
A HUMANIDADE EM MOVIMENTO
O paradoxo inerente do capitalismo é, a longo prazo, sua perdição: o capitalismo é uma cobra que se alimenta do próprio rabo.
p. 35 § 1
A quantidade de seres humanos tornada excessiva pelo triunfo do capitalismo global cresce inexoravelmente e agora está perto de ultrapassar a capacidade administrativa do planeta.
...pessoas desperdiçadas no equilíbrio político e social da coexistência humana planetária.
p. 31 § 1
A primeira delas a obstrução de escoadouros que nos passado permitiam a drenagem e a limpeza regulares e oportunas dos “excedentes humanos” ... a população supérflua, supranumerária e irrelevante...
A  nova “plenitude do planeta” – o âmbito global dos mercados financeiros, de mercadorias e de trabalho, da modernização administrada pelo capital, e portanto também do modo de vida moderno – tem duas consequências diretas
p. 37-38 § 3
... o excedente populacional... seu estado de exclusão é uma anomalia
Outras terras não convidarão os excedentes... em oposição aos produtores de lixo de outrora, que costumavam buscar e encontrar soluções globais para os problemas produzidos localmente, esses “retardatários da modernidade” são obrigados a buscar soluções locais para problema causados globalmente...
p. 39 § 3
“quase-soluções para problemas globais”
As guerras e os massacres tribais, a proliferação de “exercito de guerrilheiros” ou gangues de crimosos e traficantes de drogas posando de defensores da liberdade, ocupados em dizimar as fileiras uns dos outros, mas absorvendo e, no devido tempo, aniquilando nesse processo o “excedente populacional”...
p. 43 § 3
Um dos efeitos mais sinistros da globalização é a desregulamentação das guerras.
A maior parte das ações belicosas dos dias de hoje, e das mais cruéis e sangrentas entre elas, são travadas por entidades não-estatais...
p. 44 § 3
Uma vez refugiado, sempre refugiado...
Nunca estão livres de um persistente senso de transitoriedade e indefinição, assim como da natureza provisória de qualquer assentamento...
p. 46 § 2
A caminho dos campos, os futuros moradores são despidos de todos os elementos de suas identidades menos um: o de refugiado sem Estado, sem lugar, sem função e ”sem documentos”...
Agier reflete se o humanitário não é um “agente da exclusão a um custo menor” e ... um dispositivo planejado para descarregar e dissipar a ansiedade do resto do mundo, absolver os culpados e tranquilizar os escrúpulos dos espectadores, assim como reduzir o senso de urgência e o medo do acaso...
p. 46-47 § 1
...Fora daquele lugar, os refugiados seriam vistos como um obstáculo e um problema; dentro dele, são esquecidos.
... Os portadores do estigma serão mantidos definitivamente à distância em razão de sua humanidade inferior, o que representa uma desumanização tanto física quanto moral...
p. 47 § 1
Nada resta senão os muros, o arame farpado, os portões controlados, os guardas armados. Entre si, eles definem a identidade do refugiado – ou melhor, eliminam o seu direito de autodefinição, que dirá de auto-afirmação.
Todo refugo, incluindo o lixo humano, tende a ser depositado indiscriminadamente no mesmo local. Esta destinação do lixo põe fim as diferenças, individualidades e idiossincrasias.
p. 49 § 1
... O novo folclore urbano cada vez mais incrementado coloca as vítimas da exclusão planetária no papel de principais “vilões da peça”...
As pessoas em busca de asilo, conclui Younge, “são, provavelmente, mais vítimas que criminosas...”
p. 51 § 4
... Num mundo repleto de comunidades imaginadas, são os inimagináveis...

p. 53 § 3
A permanência da transitoriedade; a durabilidade do provisório...

p. 58 § 2
Naomi Klein observou uma tendência cada vez mais forte e generalizada... no sentido de uma “fortaleza regional em múltiplas camadas”...
... convidar um ou dois países pobres para ter acesso as suas fronteiras, pois alguém tem que pegar no pesado e fazer o trabalho sujo...
p. 60 § 2
... O processo previsto pela primeira vez um século atrás por Rosa Luxemburgo... alcançou seu derradeiro limite.
(embora em termos principalmente econômicos, e não explicitamente sociais)
p. 61 § 2
...temores circundantes e as obsessões com segurança tiveram nos últimos anos o desenvolvimento mais espetacular...

p. 61 § 2
O sofrimento humano...provém do “poder superior da natureza, da fragilidade de nossos corpos e da inadequação dos regulamentos que ajustam as relações dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade”
Segundo Freud
p. 62 § 2
... no caso do terceiro tipo de sofrimento: a miséria com origem genuína ou supostamente social. Tudo que é feito por seres humanos pode ser refeito por seres humanos. Nesse caso, portanto, não aceitamos quaisquer limites à reconstrução da realidade.
Todo caso de infelicidade socialmente determinada é, portanto, um desafio, um caso de abuso e um chamado às armas... um culpado cujo nome e endereço ainda estão por se revelar...
p. 63 § 2
Podemos afirmar que a variedade moderna de insegurança é caracterizada distintivamente pelo medo da maleficência e dos malfeitores humanos...
Castel atribui à individualização moderna a responsabilidade por esse estado de coisas...
p. 64 § 2
O enervante senso de insegurança não teria brotado não fosse pela ocorrência simultânea de duas transformações que tiveram lugar na Europa – que só se dissemiram depois, e a uma velocidade variável, para outras partes do planeta.
A primeira foi... a “sobrevalorização” dos indivíduos (terminologia de Castel) libertos das restrições impostas pela densa rede de vínculos sociais... uma segunda mudança ocorreu logo em seguida: a fragilidade e vulnerabilidade sem precedentes desses indivíduos privados da proteção que lhes era oferecida trivialmente no passado por aquela densa rede de vínculos sociais.
p. 65 § 1
Desde o começo, o Estado moderno foi, portanto confrontado com a tarefa assustadora de administrar o medo.

p. 61 § 2
...Ao contrário da opinião já amplamente aceita, é a proteção (o seguro coletivo contra o infortúnio individual), e não a redistribuição de riquezas, que está no cerno do “Estado Social” a que o desenvolvimento do Estado moderno inflexivelmente conduziu.

p. 67 § 2
... o longo processo com o sonho da segurança pessoal, seguido por uma extensa luta contra o poder arbitrário de reis e príncipes...
...até que a conduta dos soberanos reais se tornasse previsível mediante a sujeição a normas jurídicas que os próprios soberanos não tinham permissão e\ou não eram capazes de alterar nem suspender por vontade própria, sem o consentimento dos súditos...
p. 67 § 2
... a demanda por poderes políticos... por desempenhar um papel significativo na elaboração de leis, foi, segundo Marshall, o ponto seguinte da agenda...
...o passo lógico a ser dado quando os direitos pessoais já tinham sido conquistados e era preciso defende-los...
p. 68 § 2
Não podemos estar seguros de nossos direitos pessoais se não formos capazes de exercer direitos políticos e fizermos essa capacidade pesar no processo de elaboração das leis...
O direito de voto... só poderia ser  significativamente exercido por aqueles “que possuem recursos econômicos e culturais suficientes” para “se livrarem da servidão voluntária ou involuntária que corta pela raiz qualquer possível autonomia de escolha (e\ou sua delegação)
p. 69 § 2
... a democracia é uma aventura seletiva e estritamente limitada...
... os direitos inalienáveis estabelecidos pelos Pais Fundadores da democracia americana, “não incluía direitos iguais para as mulheres nem o direito de votar ou direito à propriedade – nem mesmo a abolição da escravatura” (John Searle)
p. 70 § 2
... os direitos políticos  podem ser usados para enraizar e solidificar as liberdades pessoais assentadas no poder econômico, dificilmente garantirão liberdades pessoais aos despossuídos, que não tem direito aos recursos sem os quais a liberdade pessoal não pode ser obtida nem, na prática, desfrutada.
... na opinião dos ricos, elas não precisem nem deveriam ser dotadas dos direitos políticos que devem servir a esse propósito... uma vez que tais pessoas não são, por esse motivo admitidas no seleto grupo do eleitorado... elas terão poucas chances de obter os recursos materiais e culturais que as tornariam aptas a serem premiadas com os direitos políticos...
p. 71 § 1
... sem direitos sociais, os direitos políticos continuarão sento um sonho inatingível, uma ficção inútil ou uma piada cruel para grande parte daqueles a quem eles foram concedidos pela letra da lei...
...Enquanto permanecerem desprovidos de recursos, os pobres podem esperar no máximo serem recebedores de transferências e não sujeitos de direitos....
p. 71 § 3
A liberdade de escolha é acompanhada de imensos e incontáveis riscos de fracasso...

p. 72 § 2
... a democracia moderna passou a ter a função de usar as instituições e os processos políticos para reformar as realidades sociais...passou da tarefa de conservar o equilíbrio das forças sociais para a de transformá-la.

p. 73 § 3
A desintegração da solidariedade significou o fim da maneira sólido-moderna de administrar o medo...
Uma vez que a competição substitui a solidariedade, os indivíduos se veem abandonados aos próprios recursos – lamentavelmente escassos e evidentemente inadequados.
p. 76 § 2
Subclasse... não menos tênue é a linha que separa os “excedentes” dos criminosos... permanentemente marginalizados, inadequados para a “reciclagem social” e designados a serem mantidos permanentemente fora, longe da comunidade dos cidadãos cumpridores da lei.

p. 77 § 2
... proteger-se do perigo era “um dos principais incentivos à construção de cidades cujas divisas eram muitas vezes definidas por amplas muralhas ou cercas, das antigas aldeias da Mesopotâmia às cidades medievais e aos assentamentos dos nativos americanos” (Nan Ellin)
... “De lugar relativamente seguro”, contudo, a cidade tem sido associada, principalmente nos últimos centos e poucos anos, “mais ao perigo que proteção”.
p. 79 § 2
“Quando os moradores estendem seus espaços de comunicação para a esfera internacional, muitas vezes afastam simultaneamente os seus lares da vida pública por meio da infra-estrutura de segurança cada vez mais “inteligentes”, comentam Graham e Marvin.
... Ao mesmo tempo, porém, há frequentemente nesses lugares um senso palpável e crescente de desconexão local em relação a lugares e pessoas fisicamente próximos, mas social e economicamente distantes.
p. 80 § 2
As pessoas da “camada superior” não pertencem ao lugar que habitam, pois suas preocupações estão... em outro lugar.
Em conjunto, as atuais  elites urbanas são despreocupadas em relação aos assuntos de “sua” cidade, que vem a ser apenas uma localidade entre outras, todas elas sendo pequenas e insignificantes do ponto de vista do ciberespaço – seu lar verdadeiro, ainda que virtual.
p. 81 § 2
Os cidadãos urbanos da camada inferior são “condenados a permanecerem locais” – e portanto se pode e deve esperar que suas atenções e preocupações, juntamente com seus descontentamentos, sonhos e esperanças, se concentrem nos “assuntos locais”...

p. 81 § 5
... As comunidades fechadas são criadas para serem mundos separados...

p. 83 § 3
...Explicitamente, o propósito dos “espaços interditados” é dividir, segregar e excluir – não construir pontes, passagens acessíveis e locais de encontro, facilitar a comunicação e agregar de outras formas os moradores da cidade.
Esses e outros tipos de “espaços interditados” têm um único – embora complexo – propósito: isolar os enclaves extraterritoriais do espaço urbano contínuo...
p. 88 § 3
... ainda que suas raízes e causas recônditas sejam indubitavelmente globais e distantes, os assuntos só entram no domínio das preocupações políticas por meio de seus subprodutos e repercussões locais...
Resumindo uma longa história: as cidades se tornaram depósitos sanitários de problemas concebidos e gerados globalmente... surge o paradoxo de uma política cada vez mais local num mundo progressivamente modelado e remodelado por processos globais.
p. 90 § 3
... as cidades são espaços em que estranhos ficam e se movimentam em estreita proximidade uns com os outros...
O medo ambiente, ainda que subliminar, do desconhecido busca desesperadamente escoadouros de confiança.
p. 92 § 3
A “mixofobia” é uma reação altamente previsível e generalizada à impressionante, desagradável e enervante variedade de tipos humanos e estilos de vida que se encontram e se esbarram nas ruas das cidades contemporâneas...
... os homens têm medo da participação, medo de seus perigos e ameaças, medo de sua dor... A atração de uma “comunidade da mesmice” é a de uma apólice de seguro contra os riscos que povoam a vida diária num mundo polivocal.

A tendência a um ambiente homogêneo, territorialmente isolado, pode ser deflagrada pela mixofobia.
p. 95 § 2
A cidade estimula a mixofilia da mesma forma que inculca e alimenta a mixofobia. Intrínseca e inseparavelmente, a vida na cidade é um negócio ambivalente.
A vida na cidade é uma experiência notoriamente ambivalente. Ela atrai e repele.

A mixofilia e a mixofobia coexistem em toda cidade, mas também dentro de cada um de seus moradores.
p. 96 § 3
Homogeneizar os bairros residenciais e então reduzir ao mínimo inevitável todo o comércio e comunicação entre eles é uma receita infalível para a intensificação e o aprofundamento do impulso de excluir e segregar.
A “fusão” exigida pela compreensão mútua só pode resultar da experiência compartilhada. E compartilhar experiência é inconcebível sem um espaço comum.
p. 100 § 1
... sonhamos com um mundo no qual possamos confiar e acreditar. Um mundo seguro.
... o mundo moderno seria um mundo otimista

... o progresso era uma corrida atrás de utopias, e não sua realização. As utopias faziam  o papel da falsa lebre...

Não poderia ter existido uma “primeira cidade” a menos que, antes de sua construção, tivesse havido a ‘utopia de uma cidade”!





            Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Literatura e outras linguagens: relações dialógicas no Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Desenvolvimento da Universidade Estadual do Paraná. Campus de Campo Mourão – período 1/2014.