quinta-feira, 9 de julho de 2015

Resenha (FLORIANI): Marcos Conceituais para o desenvolvimento da interdisciplinaridade.



FLORIANI, Dimas. Marcos Conceituais para o desenvolvimento da interdisciplinaridade. In: PHILIPPI. JR., Arlindo. TUCCI, Carlos E. Morelli; HOGAN, Daniel Joseph; NAVEGANTES, Raul (orgs). Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora, 2000, p. 95-107.

           
            Este é um artigo tem o objetivo de discutir a natureza e sociedade numa perspectiva de passagem para uma nova ciência. Levantando, de início, os seguintes problemas: o que separa um fato natural do social? Qual é o ponto de partida para se definir “natureza”? É puramente “natural” a natureza intocada?
Consequentemente, a ideia sobre o seu estado natural já é consciência de algo que, por sua vez, é uma construção social da “natureza”. O conhecimento, além de uma expressão refletida do mundo, resulta também do modo de classifica-lo e de como ele é apropriado. São interações entre indivíduos que produzem a sociedade, que não existe sem eles.  O ser humano produz uma sociedade que o produz.
O conhecimento é uma força criadora que não se basta por si mesma, segundo MORIN (1994), e nem reflexo simples da realidade e fiel a ela. Não se pode considerar o conhecimento como um objeto igual aos demais, uma vez que serve tanto para conhecer os outros objetos, como para conhecer a si mesmo.
A ciência, por sua vez, não olha apenas em si; suas intenções mais íntimas podem surgir dos contextos sócios-culturais, nos quais está inserida. (PROGOGINE, 1996). A procura cartesiana seria motivada pela tragédia das guerras religiosas do sec. XVII: a matematização do conhecimento abrigando todas as diferenças. Einstein fortaleceu a oposição entre o conhecimento objetivo e a incerteza subjetiva, num momento de profunda irracionalidade do totalitarismo de duas guerras.
            Neste contexto, não cabe aos cientistas atuais reafirmarem verdades. No entanto, não seria o fim da razão, porém sua conversão em outra razão de ser, de estar e de fazer no mundo. O que era certeza para os saberes organizados se torna incerteza organizada. A verdade humana é, portanto, invenção humana ao pretender ser permanente, porém ao colocar-se além ou acima da transitoriedade das coisas, tornou-se religiosa e de difícil contestação. Desse modo, descrer na ciência hoje não é um fato sem razão. (Acontecimentos trágicos, como as últimas guerras e armas químicas e nucleares, somados à crise ecológica global contribuíram para diminuir o grau de confiança no progresso técnico.).
            A ciência torna-se problemática em termos de duas premissas: a dependência da instrumentalização técnica e a introdução de esquemas cognitivos provisórios. No âmbito do meio ambiente, essa contradição se exterioriza pela apropriação técnica da natureza (enquanto matéria socializada pelo modelo de produção capitalista).
É difícil determinar o que faz mudar as bases epistemológicas do saber científico (materiais ou formais). Ou a incorporação/rejeição que é feita da ciência pela sociedade, ou as mudanças discursivas metodológicas dos sistemas ou, ainda, a combinação de ambos os fatores ao convergirem/divergirem ao longo da história. (idêntico questionamento pode ser feito em relação às influências da tecnologia sobre a sociedade e vice-versa.  
A crítica epistemológica que ocorre no interior do saber ambiental não se compraz apenas com o saber teórico. Reinvindica uma práxis no âmbito da pesquisa. O desafio hoje é ousar transpor a repetição, buscando a fonte de sua imaginação em diversos referenciais cognitivos (não apenas naqueles de sua disciplina científica, mas também os de natureza estética – artes, literatura, música – na ética; recriando e reestabelecendo o que foi obscurecido pelo procedimentos da racionalidade instrumental da modernidade.
            A abstração e a contextualização são dois mecanismos básicos do conhecimento atual sobre o mundo. A relação do homem com a natureza não pode ser nem simples e nem fragmentada. (O ser humano é ao mesmo tempo natural e sobrenatural: pensamento, consciência e cultura se diferenciam e se confundem ao mesmo tempo, com a natureza viva e física). Para MORIN e KERN, a construção do pensamento complexo depende de algumas pré-condições, tais como:

ü  O vínculo entre relações da parte com o todo;
ü  Um pensamento radical (vá a raiz dos problemas) e um pensamento multidimensional (levar em conta a multiplicidade do real);
ü  Um pensamento organizador e sistêmico;
ü  Um pensamento “ecologizado” (cultura, social, econômico, político, natural)
ü  Um pensamento que leve em conta a ecologia da ação e a dialética da ação;
ü  Um pensamento que seja inconcluso e que negocie com a incerteza (porque o próprio da ação é operar com o incerto).

Os fundamentos teóricos sobre uma nova forma de produção do conhecimento não podem ser dissociados da prática interdisciplinar (articulação de diversas disciplinas para melhor compreender e gerir situações de acomodação, tensão ou conflito explícitos entre as necessidades, práticas humanas e dinâmicas naturais). A visão de meio ambiente deve ser multicêntrica, complexa e objeto de diferentes escalas de abordagem.
A interdisciplinaridade necessita de uma intenção deliberada, assentada em trocas intersubjetivas sistemáticas, a partir do confronto de saberes disciplinares que leve em conta uma ou mais problemáticas na relação sociedade-natureza. Para FLORIANI (1998) pode-se definir, genericamente, a experiência interdisciplinar como o confronto de diversos saberes organizados ou disciplinares que, no âmbito do meio ambiente e do desenvolvimento, desenham estratégias de pesquisa, diferentemente do que faria cada disciplina, por seu lado, fora dessa interação.
Neste trabalho interdisciplinar não acontece o isolamento do pesquisador, que se refugia em lugares de cômoda solidão enquanto se ocupa de seu objeto disciplinar particular. (evita-se que o processo se limite a umas poucas contaminações subjetivas). Na atividade interdisciplinar, o objetivo se torna intersubjetivo e objetivo simultaneamente (há uma permanente permuta de subjetividades e múltiplos olhares deliberados na construção de objetividades). A compreensão do trabalho interdisciplinar é um exercício teórico que exige a reflexão sobre o processo em andamento ou após sua conclusão.
A fronteira entre conhecimentos não é algo fácil de determinar. No saber interdisciplinar há uma hibridação de saberes (diálogos), porém nem toda hibridação é particularmente interdisciplinar, esta depende de uma intenção deliberada, explícita, controlável e seletiva. Tal construção é realizada por uma ação de pesquisa (embora toda ação implique um elevado grau de incerteza), com diversos pesquisadores, apoiados em suas respectivas lógicas e procedimentos disciplinares.
O debate teórico da interdisciplinaridade exige uma reflexão aprofundada sobre a noção de sistemas complexos e totalidade organizada (não emerge espontaneamente dos diversos saberes). Daí a importância de uma nova concepção de ciência. Ao reavaliar a realidade, sente-se necessidade de reelabora-la de outra maneira teórica; ao classifica-la diferentemente é designada com outras categorias de análise; essas categorias impõem uma outra percepção e intelecção do mundo e sugerem outras formas de apropriação-intervenção no mundo.
Disto decorrem novos referenciais epistemológicos, imprescindíveis para as práticas interdisciplinares no domínio conexo da sociedade coma natureza. Exigindo uma ova pedagogia do conhecimento, isto é, um questionar permanente sobre o fazer interdisciplinar e os resultados desse fazer. No sentido prático da pesquisa interdisciplinar, devem ser evitadas posições extremas.
A prática da pesquisa interdisciplinar coloca duas questões fundamentais:

ü  Como articular a participação de diferentes disciplinas, no interior de uma prática de pesquisa interdisciplinar?
ü  Como articular esses diferentes saberes disciplinares em uma ação negociada e coordenada, garantindo o espaço de contribuição para cada um deles?

Trata-se de uma obra coletiva de conhecimentos e esforços pessoais e institucionais.

ü  Pessoais: próprias às idiossincracias individuais, seus interesses e capacidades, estratégias de poder (liderança), consciência do trabalho interdisciplinar, espírito democrático e cooperação, etc.
ü  Institucionais: resistências/facilidades de incorporar novas práticas acadêmicas e mentalidades dos grupos e corporações, novas interações, sistema de financiamento e legislação em relação a estrutura administrativa (deptos, setores), distribuição do orçamento para pesquisa, etc. (nível macro); número de disciplinas reunidas na experiência interdisciplinar, equilíbrio entre ciências, estratégias de condução (coordenação) da pesquisa (consciência da direção do processo e legitimação da direção), etc..

A etapa inicial se caracteriza por ser desestabilizadora (impotência diante dos problemas tratados). A situação de reequilíbrio será alcançada posteriormente, quando cada disciplina é chamada para atuar com seus métodos e instrumentos. O que se produz nessa fase preliminar em termos qualitativos é um efeito novo, normalmente limitado, quando não ausente nas práticas disciplinares.
A coleta de dados e a sua construção progressiva no espaço comum da pesquisa servem para evidenciar os problemas de pesquisa. O confronto entre os diversos dados socioambientais, seu comportamento no espaço e no tempo, as funções e disfunções (conflitos) das dinâmicas observadas permitem dispô-los em forma de uma matriz de dados cruzados. Os dados elaborados constituem, de fato, os insumos para uma etapa seguinte, a da construção de uma problemática comum de pesquisa.
Para finalizar, pode-se dizer que a interdisciplinaridade, no âmbito do meio ambiente e do desenvolvimento, é uma ação do conhecimento que consiste em confrontar saberes, cuja finalidade é alcançar outro saber, mais complexo e integral, diferente daquele que seria efetuado, caso não exista o encontro entre diferentes disciplinas. Quer dizer, necessita-se de um novo saber, pois os existentes são limitados e fragmentados, incapazes de traduzir a complexidade das interações entre sociedades humanas e o meio natural.
A interdisciplinaridade não existe de antemão. Não nasce por decreto. É constitutiva e constituinte do processo interdisciplinar, produto de uma associação disciplinar.




            Professor Dimas Floriani


Leandro Moreira da Luz é aluno do Curso de Direito da Faculdade Integrado de Campo Mourão - PR – período 2/2015.

Sem comentários:

Enviar um comentário