FLORIANI,
Dimas. Marcos Conceituais para o desenvolvimento da interdisciplinaridade. In:
PHILIPPI. JR., Arlindo. TUCCI, Carlos E. Morelli; HOGAN, Daniel Joseph;
NAVEGANTES, Raul (orgs). Interdisciplinaridade
em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora, 2000, p. 95-107.
Este é um artigo tem o objetivo de
discutir a natureza e sociedade numa perspectiva de passagem para uma nova
ciência. Levantando, de início, os seguintes problemas: o que separa um fato
natural do social? Qual é o ponto de partida para se definir “natureza”? É
puramente “natural” a natureza intocada?
Consequentemente, a ideia sobre o seu estado natural já é consciência de
algo que, por sua vez, é uma construção social da “natureza”. O conhecimento,
além de uma expressão refletida do mundo, resulta também do modo de
classifica-lo e de como ele é apropriado. São interações entre indivíduos que
produzem a sociedade, que não existe sem eles.
O ser humano produz uma sociedade que o produz.
O conhecimento é uma força criadora que não se basta por si mesma,
segundo MORIN (1994), e nem reflexo simples da realidade e fiel a ela. Não se
pode considerar o conhecimento como um objeto igual aos demais, uma vez que
serve tanto para conhecer os outros objetos, como para conhecer a si mesmo.
A ciência, por sua vez, não olha apenas em si; suas intenções mais
íntimas podem surgir dos contextos sócios-culturais, nos quais está inserida.
(PROGOGINE, 1996). A procura cartesiana seria motivada pela tragédia das
guerras religiosas do sec. XVII: a matematização do conhecimento abrigando
todas as diferenças. Einstein fortaleceu a oposição entre o conhecimento
objetivo e a incerteza subjetiva, num momento de profunda irracionalidade do
totalitarismo de duas guerras.
Neste contexto, não cabe aos
cientistas atuais reafirmarem verdades. No entanto, não seria o fim da razão,
porém sua conversão em outra razão de ser, de estar e de fazer no mundo. O que
era certeza para os saberes organizados se torna incerteza organizada. A
verdade humana é, portanto, invenção humana ao pretender ser permanente, porém
ao colocar-se além ou acima da transitoriedade das coisas, tornou-se religiosa
e de difícil contestação. Desse modo, descrer na ciência hoje não é um fato sem
razão. (Acontecimentos trágicos, como as últimas guerras e armas químicas e
nucleares, somados à crise ecológica global contribuíram para diminuir o grau
de confiança no progresso técnico.).
A ciência torna-se problemática em
termos de duas premissas: a dependência da instrumentalização técnica e a
introdução de esquemas cognitivos provisórios. No âmbito do meio ambiente, essa
contradição se exterioriza pela apropriação técnica da natureza (enquanto
matéria socializada pelo modelo de produção capitalista).
É difícil determinar o que faz mudar as bases epistemológicas do saber
científico (materiais ou formais). Ou a incorporação/rejeição que é feita da
ciência pela sociedade, ou as mudanças discursivas metodológicas dos sistemas
ou, ainda, a combinação de ambos os fatores ao convergirem/divergirem ao longo
da história. (idêntico questionamento pode ser feito em relação às influências
da tecnologia sobre a sociedade e vice-versa.
A crítica epistemológica que ocorre no interior do saber ambiental não
se compraz apenas com o saber teórico. Reinvindica uma práxis no âmbito da
pesquisa. O desafio hoje é ousar transpor a repetição, buscando a fonte de sua
imaginação em diversos referenciais cognitivos (não apenas naqueles de sua
disciplina científica, mas também os de natureza estética – artes, literatura,
música – na ética; recriando e reestabelecendo o que foi obscurecido pelo
procedimentos da racionalidade instrumental da modernidade.
A abstração e a contextualização são
dois mecanismos básicos do conhecimento atual sobre o mundo. A relação do homem
com a natureza não pode ser nem simples e nem fragmentada. (O ser humano é ao
mesmo tempo natural e sobrenatural: pensamento, consciência e cultura se
diferenciam e se confundem ao mesmo tempo, com a natureza viva e física). Para
MORIN e KERN, a construção do pensamento complexo depende de algumas
pré-condições, tais como:
ü O vínculo entre relações da parte com o
todo;
ü Um pensamento radical (vá a raiz dos
problemas) e um pensamento multidimensional (levar em conta a multiplicidade do
real);
ü Um pensamento organizador e sistêmico;
ü Um pensamento “ecologizado” (cultura,
social, econômico, político, natural)
ü Um pensamento que leve em conta a ecologia
da ação e a dialética da ação;
ü Um pensamento que seja inconcluso e que
negocie com a incerteza (porque o próprio da ação é operar com o incerto).
Os fundamentos teóricos sobre uma nova forma de produção do conhecimento
não podem ser dissociados da prática interdisciplinar (articulação de diversas
disciplinas para melhor compreender e gerir situações de acomodação, tensão ou
conflito explícitos entre as necessidades, práticas humanas e dinâmicas
naturais). A visão de meio ambiente deve ser multicêntrica, complexa e objeto
de diferentes escalas de abordagem.
A interdisciplinaridade necessita de uma intenção deliberada, assentada
em trocas intersubjetivas sistemáticas, a partir do confronto de saberes
disciplinares que leve em conta uma ou mais problemáticas na relação
sociedade-natureza. Para FLORIANI (1998) pode-se definir, genericamente, a
experiência interdisciplinar como o confronto de diversos saberes organizados
ou disciplinares que, no âmbito do meio ambiente e do desenvolvimento, desenham
estratégias de pesquisa, diferentemente do que faria cada disciplina, por seu
lado, fora dessa interação.
Neste trabalho interdisciplinar não acontece o isolamento do
pesquisador, que se refugia em lugares de cômoda solidão enquanto se ocupa de
seu objeto disciplinar particular. (evita-se que o processo se limite a umas
poucas contaminações subjetivas). Na atividade interdisciplinar, o objetivo se
torna intersubjetivo e objetivo simultaneamente (há uma permanente permuta de
subjetividades e múltiplos olhares deliberados na construção de objetividades).
A compreensão do trabalho interdisciplinar é um exercício teórico que exige a
reflexão sobre o processo em andamento ou após sua conclusão.
A fronteira entre conhecimentos não é algo fácil de determinar. No saber
interdisciplinar há uma hibridação de saberes (diálogos), porém nem toda
hibridação é particularmente interdisciplinar, esta depende de uma intenção
deliberada, explícita, controlável e seletiva. Tal construção é realizada por uma
ação de pesquisa (embora toda ação implique um elevado grau de incerteza), com
diversos pesquisadores, apoiados em suas respectivas lógicas e procedimentos
disciplinares.
O debate teórico da interdisciplinaridade exige uma reflexão aprofundada
sobre a noção de sistemas complexos e totalidade organizada (não emerge
espontaneamente dos diversos saberes). Daí a importância de uma nova concepção
de ciência. Ao reavaliar a realidade, sente-se necessidade de reelabora-la de
outra maneira teórica; ao classifica-la diferentemente é designada com outras
categorias de análise; essas categorias impõem uma outra percepção e intelecção
do mundo e sugerem outras formas de apropriação-intervenção no mundo.
Disto decorrem novos referenciais epistemológicos, imprescindíveis para
as práticas interdisciplinares no domínio conexo da sociedade coma natureza.
Exigindo uma ova pedagogia do conhecimento, isto é, um questionar permanente
sobre o fazer interdisciplinar e os resultados desse fazer. No sentido prático
da pesquisa interdisciplinar, devem ser evitadas posições extremas.
A prática da pesquisa interdisciplinar coloca duas questões
fundamentais:
ü Como articular a participação de diferentes
disciplinas, no interior de uma prática de pesquisa interdisciplinar?
ü Como articular esses diferentes saberes
disciplinares em uma ação negociada e coordenada, garantindo o espaço de
contribuição para cada um deles?
Trata-se de uma obra coletiva de conhecimentos e esforços pessoais e
institucionais.
ü Pessoais: próprias às idiossincracias
individuais, seus interesses e capacidades, estratégias de poder (liderança),
consciência do trabalho interdisciplinar, espírito democrático e cooperação,
etc.
ü Institucionais: resistências/facilidades de
incorporar novas práticas acadêmicas e mentalidades dos grupos e corporações,
novas interações, sistema de financiamento e legislação em relação a estrutura
administrativa (deptos, setores), distribuição do orçamento para pesquisa, etc.
(nível macro); número de disciplinas reunidas na experiência interdisciplinar,
equilíbrio entre ciências, estratégias de condução (coordenação) da pesquisa
(consciência da direção do processo e legitimação da direção), etc..
A etapa inicial se caracteriza por ser desestabilizadora (impotência
diante dos problemas tratados). A situação de reequilíbrio será alcançada
posteriormente, quando cada disciplina é chamada para atuar com seus métodos e
instrumentos. O que se produz nessa fase preliminar em termos qualitativos é um
efeito novo, normalmente limitado, quando não ausente nas práticas
disciplinares.
A coleta de dados e a sua construção progressiva no espaço comum da
pesquisa servem para evidenciar os problemas de pesquisa. O confronto entre os
diversos dados socioambientais, seu comportamento no espaço e no tempo, as funções
e disfunções (conflitos) das dinâmicas observadas permitem dispô-los em forma
de uma matriz de dados cruzados. Os dados elaborados constituem, de fato, os
insumos para uma etapa seguinte, a da construção de uma problemática comum de
pesquisa.
Para finalizar, pode-se dizer que a interdisciplinaridade, no âmbito do
meio ambiente e do desenvolvimento, é uma ação do conhecimento que consiste em
confrontar saberes, cuja finalidade é alcançar outro saber, mais complexo e
integral, diferente daquele que seria efetuado, caso não exista o encontro
entre diferentes disciplinas. Quer dizer, necessita-se de um novo saber, pois
os existentes são limitados e fragmentados, incapazes de traduzir a
complexidade das interações entre sociedades humanas e o meio natural.
A interdisciplinaridade não existe de antemão. Não nasce por decreto. É
constitutiva e constituinte do processo interdisciplinar, produto de uma
associação disciplinar.
Professor Dimas Floriani
Leandro Moreira da Luz é aluno do Curso de Direito da Faculdade Integrado de Campo Mourão - PR – período 2/2015.

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