BAUMAN, Zygmunt.
Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007, 119p.
Neste livro Bauman faz uma profunda
reflexão sobre a insegurança, sobretudo nas grandes cidades. Segundo ele, o
desmonte dos mecanismos de proteção dos menos favorecidos, somados aos efeitos
incontroláveis gerados pela globalização, propiciou um ambiente inseguro por
definição. Assim as cidades se tornam o local por excelência das ansiedades.
“Construídas para fornecer proteção a todos os seus habitantes, as cidades hoje
em dia se associam com mais frequência ao perigo que à segurança”. Não à toa, é
no medo que se baseia a legitimidade da política contemporânea, incapaz de
alcançar a origem global dos problemas – o que acaba por alimentar, ainda mais,
as angústias da vida na modernidade líquida.
A passagem sólida da modernidade para a “líquida” é uma condição onde as
organizações sociais não podem manter sua forma por muito tempo (se decompõe e
se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez
reorganizadas, para que se estabeleçam. A vida “líquida” moderna traz os seus
medos, em suma por duas razões: i) num planeta atravessado por “auto-estradas”
da informação, nada que acontece em alguma parte dele pode de fato, ao menos
potencialmente, permanecer do “lado de fora” intelectual; ii) num planeta
aberto à livre circulação de capital o que acontece num determinado lugar tem
um peso sobre a forma como as pessoas de todos os outros lugares vivem, esperam
ou supõe viver. Nada pode ser considerado num “lado de fora” material. O
bem-estar de um lugar, qualquer que seja, nunca é inocente em relação à miséria
de outro. Uma sociedade aberta é uma sociedade exposta a golpes do destino.
As ações do governo estadunidense juntamente com seus vários satélites
mal disfarçados de “instituições internacionais” (Banco Mundial, FMI, OMC)
geraram, como “produtos colaterais” perigosos, o “nacionalismo, o fanatismo
religioso, o fascismo e, evidentemente, o terrorismo – que avança de mão dadas
com o progresso da globalização liberal.” “Mercados sem fronteiras” é uma
receita para a injustiça e para a nova desordem mundial.
Para serem mais seguras, elas acabam se dispondo a correr o risco de
serem menos livres. A vida social se altera quando as pessoas vivem atrás de
muros, contratam seguranças, dirigem veículos blindados, portam porretes e
revólveres, etc. O problema é que essas atividades reafirmam e ajudam a produzir
o senso de desordem que nossas ações buscam evitar. Os medos nos estimulam a
assumir uma ação defensiva.
Observa-se, também, que grande parte do capital comercial pode ser – e é
– acumulada a partir da insegurança e do medo. O espectro da degradação social
contra o Estado social jurou garantir ao seu cidadão está sendo substituído na
fórmula política do “Estado da proteção pessoal” pelas ameaças de um serial Killer, de um mendigo atrevido,
de um assaltante, de um molestador, terrorista, etc. E a estratégia de lucrar
com o medo está igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que remonta
aos anos iniciais do ataque liberal ao Estado social.
A nova legislação favoreceu principalmente os terroristas, aumentando
sua visibilidade pública e assim, obliquamente, sua estatura, muito além dos
limites que eles poderiam concebivelmente atingir por si próprios. (a “guerra
contra o terrorismo”, declarada depois do atentado ao World Trade Center, já
produziu muito mais “vítimas colaterais” inocentes do que o próprio atentado).
Deve-se repetir que a matéria-prima e o principal resultado da guerra travada
contra os terroristas acusados de semear o medo têm sido, até agora, o próprio
medo. O produto altamente visível da guerra são as restrições de amplo alcance impostas
as liberdade pessoais. Num mundo em que cada indivíduo é abandonado à própria
sorte, enquanto a maioria das pessoas funciona como ferramenta para a promoção
de terceiros. (os vínculos humanos são confortavelmente frouxos, mas, por isso
mesmo, terrivelmente precários, e é tão difícil praticar a solidariedade quanto
compreender seus benefícios, e ainda mais suas virtudes morais.) Num planeta
negativamente globalizado os metaproblemas que condicionam o enfrentamento de
todos os outros são globais e, sendo assim não, admitem soluções locais.
A quantidade de seres humanos tornada excessiva pelo triunfo do
capitalismo global cresce inexoravelmente e agora está perto de ultrapassar a
capacidade administrativa do planeta. Ainda não chegamos perto de perceber e
entender os efeitos de longo alcance das massas cada vez maiores de pessoas
desperdiçadas no equilíbrio político e social da coexistência humana e
planetária. Essa nova “plenitude do planeta” tem consequências diretas:
ü Obstrução dos escoadouros – drenagem dos
“excedentes humanos” (a parte que não pode ser reassimilada aos padrões da vida
“normal” e reclassificada na categoria de membros “úteis” da sociedade) que o
modo de vida moderno tendeu a produzir numa escala sempre crescente: a
população supérflua, supranumerária e irrelevante.
As guerras e os massacres tribais, a proliferação de “exércitos de
guerrilheiros” ou gangues de criminosos e traficantes de drogas posando de
defensores da liberdade, ocupados em dizimar as fileiras uns dos outros, mas
absorvendo e, no devido tempo, aniquilando nesse processo o “excedente
populacional” (principalmente jovens, que não conseguem emprego e não tem
perspectivas) – é uma das “quase soluções locais para problemas globais”.
Centenas de milhares de pessoas são escorraçadas de seus lares, assassinadas ou
forçadas a buscar a sobrevivência fora da fronteira do seu país, ou seja, a produção em massa dos refugiados. Estes
nunca estarão livres de um persistente senso de transitoriedade e indefinição,
assim como da natureza provisória de qualquer assentamento. (os portadores do
estigma serão mantidos definitivamente à distância em razão de sua humanidade
inferior, o que representa sua desumanização tanto física quanto moral.)
Quanto aos refugiados em seu próprio território, para eles nada resta
senão os muros, o arame farpado, os portões controlados, os guardas armados.
Entre si, eles definem a identidade do refugiado – ou melhor, eliminam o seu
direito de auto definição, que dirá de autoafirmação. Todo refugo, incluindo o
lixo humano, tende a ser depositado indiscriminavelmente no mesmo local. Esta
definição do “lixo” põe fim as diferenças, individualidades e idiossincrasias.
O planeta agora está cheio. Isso significa, entre outras coisas, que
processos tipicamente modernos como a construção da ordem e do progresso
econômico ocorrem por toda parte – assim como o “lixo humano” é produzido por
toda parte, jogado fora em volumes crescentes; agora, porém, faltam os
depósitos “naturais” adequados para a sua armazenagem e potencial reciclagem.
No que tange à miséria como origem genuína ou supostamente social, tudo
o que é feito por humanos pode ser refeito por seres humanos. Nesse caso,
portanto, não aceitamos quaisquer limites à reconstrução da realidade. Todo
caso de infelicidade socialmente determinada é, portanto, um caso de abuso e um
chamado às armas. Se a “proteção realmente disponível” e os benefícios de que
desfrutamos estão aquém do ideal, se os relacionamentos ainda não são do nosso
gosto, se os regulamentos não são o que deveriam (e acreditamos, poderiam) ser,
tendemos a suspeitar que haja pelo menos uma repreensível escassez de boa
vontade, porém com mais frequência presumimos a existência de maquinações
hostis, complôs, conspirações, intenções criminosas, um inimigo à nossa porta
ou sob nossa cama, um culpado cujo nome e endereço ainda estão por se revelar,
que está para ser levado diante da justiça. Premeditação criminosa, em suma.
Podemos afirmar que a variedade moderna da insegurança é caracterizada
distintivamente pelo medo da maleficência e dos malfeitores humanos. Castel
atribui à individualização moderna a responsabilidade por esse estado de
coisas. Sugere que a sociedade moderna tendo substituído as comunidades e
corporações estreitamente entrelaçadas, que no passado definiam as regras de
proteção e monitoravam sua aplicação pelo dever individual do interesse, do
esforço pessoal e da auto-ajuda, tem vivido sobre a areia movediça da
contingência. Numa sociedade assim, os sentimentos de insegurança existencial e
os temores disseminados de perigos generalizados são, inevitavelmente,
endêmicos.
Desde o começo, o Estado moderno foi, portanto, confrontado com a tarefa
assustadora de administrar o medo. A
segurança pessoal só pode ser obtida com a introdução de normas impostas a
todos os participantes do jogo. A universalidade das normas não transformaria
todo mundo em vencedor. Não podemos estar seguros de nossos direitos pessoais
se não formos capazes de exercer direitos políticos e fizermos essa capacidade
pesar no processo de elaboração das leis.
No entanto, a democracia é uma aventura seletiva e estritamente
limitada. O demos que deveria deter o
kratos sobre a criação e alteração
das leis é confinado nesse estágio a uns poucos privilegiados, ao mesmo tempo
que exclui, não apenas na prática, mas também da letra da lei, uma ampla
maioria do povo ao qual se pretendia que as leis formuladas politicamente
fossem impostas.
Se os direitos políticos podem ser usados para enraizar e solidificar as
liberdades pessoais assentadas no poder econômico, dificilmente garantirão
liberdades pessoais aos despossuídos, que não tem direitos aos recursos sem os
quais a liberdade pessoal não pode ser obtida nem, na prática, desfrutada. Sem
direitos sociais, os direitos políticos continuarão sendo um sonho inatingível,
um ficção inútil ou um piada cruel para grande parte daqueles a quem eles foram
concedidos pela letra da lei. Enquanto permanecerem desprovidos de recursos, os
pobres podem esperar no máximo serem recebedores de transferências, não
sujeitos de direitos. Sem direitos sociais para todos, um grande número de
pessoas irá considerar seus direitos políticos inúteis e indignos de atenção.
Os dois tipos de direito precisam um do outro para sobreviver.
A desintegração da solidariedade significou o fim da maneira
sólido-moderna de administrar o medo. Uma vez que a competição substitui a
solidariedade, os indivíduos se vêem abandonados aos seus próprios recursos –
lamentavelmente escassos e evidentemente inadequados. Neste interim, Robert Castel
assinala o retorno das classes perigosas.
As originais eram constituídas do excedente populacional temporariamente
excluído e ainda não integrado que o progresso econômico acelerado havia
privado de uma “função útil”, enquanto a pulverização acelerada das redes de
vínculos os havia destituído de proteção. As novas perigosas são aquelas
reconhecidas como inadequadas à reintegração e proclamadas inassimiláveis, já
que não se pode conceber uma função útil que sejam capazes de exercer após a
“reabilitação”. Estas últimas são excluídas permanentemente (um dos poucos
casos de “permanência” que a modernidade líquida não apenas permite, mas
promove ativamente). A irrevogabilidade de sua expulsão e fragilidade das
chances de apelas do veredicto é que transformam os excluídos contemporâneos em
“classes perigosas”: homens e mulheres que não se encaixam em nenhuma divisão
social legítima, indivíduos deixados de fora das classes e que não são
portadores de nenhuma das funções reconhecidas, aprovadas, úteis e indispensáveis
que os membros “normais” da sociedade executam.
Não menos tênue é a linha que separa os “excedentes” dos criminosos: a
“subclasse” e os “criminosos” são apenas duas subcategorias de excluídos,
“socialmente desajustados” ou até “elementos anti-sociais”. Estes não são mais
vistos como temporariamente expulsos da vida social normal e destinados a serem
“reeducados”, “reabilitados” e “reenviados à comunidade” na primeira
oportunidade – mas como permanentemente marginalizados, inadequados para a “reciclagem
social” e designados a serem mantidos permanentemente fora, longe da comunidade
dos cidadãos cumpridores da lei.
A sociedade para ficar fora do alcance desta “subclasse”, antigamente
refugiavam-se às cidades: “um dos principais incentivos a construção de cidades
cujas divisas eram muitas vezes definidas por amplas muralhas ou cercas [...]”.
Muralhas, fossos e paliçadas assinalavam a divisa entre “nós” e “eles”, ordem e
selvageria, paz e guerra. No entanto, de lugar relativamente seguro, a cidade
tem sido associada, principalmente nos últimos cento e poucos anos, “mais a
perigo que à proteção”.
“Quanto mais nos afastamos de nossa vizinhança imediata, mais contamos
com a vigilância daquele ambiente... Os lares de muitas áreas urbanas de todo o
mundo agora existem para proteger seus habitantes, não para integrar as pessoas
com suas comunidades.” Observam Gumpert e Drucker. Os refugos da nova
extraterritorialidade física dos espaços urbanos privilegiados, habitados e
usados pela elite global são espaços desconectados e abandonados. As pessoas da
“camada superior” não pertencem ao lugar que habitam, pois suas preocupações
estão (ou melhor, flutuam e navegam à deriva) em outro lugar.
As atuais elites urbanas são despreocupadas em relação aos assuntos de
“sua” cidade, que vem a ser apenas uma localidade entre outras, todas elas
sendo pequenas e insignificantes do ponto de vista do ciberespaço – seu
verdadeiro lar, ainda que virtual. Moram, fisicamente, em localidades fechadas
que são criadas para serem mundos separados. Estes “espaços interditados” tem o
propósito de dividir, segregar e excluir – não construir pontes, passagens
acessíveis e locais de encontro, facilitar a comunicação e agregar de outras
formas os moradores das cidades. Tem o propósito de isolar os enclaves
extraterritoriais do espaço urbano contíguo.
Os cidadãos urbanos da camada inferior são “condenados a permanecerem
locais” – e portanto se pode e deve esperar que suas atenções e preocupações,
juntamente com seus descontentamentos, sonhos e esperanças, se concentres nos
“assuntos locais”.
As cidades contemporâneas são, por esse motivo, os estágios ou campos de
batalha em que os poderes globais e os significados e identidades teimosamente
locais se encontram, se chocam, lutam e buscam um acordo satisfatório, ou
apenas tolerável – um modo de convivência que, se espera, seja uma paz
duradoura, mas que a regra mostra ser apenas um armistício.
Mas ainda que suas raízes e causam recônditas sejam indubitavelmente
globais, os assuntos só entram no domínio das preocupações políticas por meio
de seus subprodutos e repercussões locais. As cidades se tornaram depósitos
sanitários de problemas concebidos e gerados globalmente. Assim surge o
paradoxo de uma política cada vez mais local num mundo progressivamente
modelado e remodelado por processos globais.
A características que permaneceu constante das cidades é que estas são
espaços em que estranhos ficam e se movimentam em estreitas proximidade uns dos
outros. E o medo ambiente, ainda que subliminar, do desconhecido busca
desesperadamente escoadouros de confiança. Nesse contexto, inato ao processo de
formar uma imagem coerente da comunidade é o desejo de evitar a participação
real. Sentir vínculos comuns sem uma experiência comum ocorre, em primeiro lugar, porque os
homens têm medo da participação, medo de seus perigos e ameaças, medo da sua
dor. A tendência a um ambiente homogêneo, territorialmente isolado, pode ser
deflagrada pela mixofobia (fobia de se misturar com outras pessoas).
A concentração maciça de estranhos é, simultaneamente, um repelente e um
poderoso imã, atraindo para a cidade novas cortes de homens e mulheres cansados
da monotonia da vida no campo ou nas pequenas cidades. Assim quanto maior é a
cidade, mais provável que ela atraia um número crescente de pessoas que
rejeitam ou que têm negadas as chances e ocasiões de aventura em lugares
menores e, portanto, menos tolerantes a idiossincrasia e mais sovinas quanto às
liberdades que oferecem ou, na verdade, toleram.
Se a segregação é oferecida e aceita como cura radical para os perigos
representados pelos estranhos, conviver com estes se torna cada dia mais
difícil. Homogeneizar os bairros residenciais e então reduzir ao mínimo
inevitável todo o comércio e comunicação entre eles é uma receita infalível
para a intensificação e o aprofundamento do impulso de excluir e segregar. Uma
medida como essa pode ajudar a reduzir temporariamente as dores das quais
padecem as pessoas afligidas pela mixofobia, mas a cura é, em si mesma,
patogênica e torna a aflição mais profunda e menos curável.
Mas favorável à fixação e ao cultivo de sentimentos mixofílicos seria a
estratégia oposta em termos de arquitetura e planejamento urbano: a propagação
de espaços públicos abertos, convidativos e hospitaleiros, os quais todas as
categorias de habitantes urbanos seriam tentadas a visitar regularmente e a
compartilhar com boa vontade e conscientemente. A “fusão” exigida pela
compreensão mútua só pode resultar da experiência compartilhada. E compartilhar
a experiência é inconcebível sem um espaço comum.
Uma utopia na era da incerteza, para Bauman, é fundamental: sonhamos com
um mundo seguro no qual possamos confiar e acreditar. Um nome, graças a sir
Thomas More, se tem comumente atribuído a sonhos desde o sec. XVI (ou seja,
desde que as rotinas antigas e aparentemente eternas começaram a desintegrar,
em que hábitos antigos e convenções começaram a mostrar sua idade e os rituais,
sua debilidade; e sua violência) Quando Thomas More desenhou sua planta de um
novo mundo livre de ameaças imprevisíveis, o improviso e a experimentação,
cheios de riscos e erros, estavam se tornando rapidamente a ordem do dia.
Para nascer o sonho dos utopistas necessitavam de duas condições: i) um
sentimento irresistível (mesmo que difuso e ainda não articulado); ii)
confiança na capacidade humana de realizar essa tarefa;
Podemos dizer que a postura pré-moderna em relação ao mundo era a do
“guarda-caça”. O trabalho deste se baseia na crença de que as coisas andam
melhor quando não as consertamos. No entanto, se a postura fosse do
“jardineiro” não seria assim: este presume não haver espécie de ordem no mundo,
não fosse sua atenção e esforço constante. São estes últimos que tendem a ser
os mais zelosos e hábeis construtores da utopia. No nosso tempo a postura do
jardineiro está cedendo vez à do caçador. Diferente dos dois tipos que
prevaleceram este não dá a menor importância ao “equilíbrio” geral “das
coisas”, seja ele “natural” ou planejado e maquinado. A única tarefa dos
caçadores buscam é outra “matança”, suficientemente grande para encherem suas
bolsas. Não consideram seu dever assegurar o suprimento. Se os bosques ficarem
vazios estes se mudam.
Agora somos todos caçadores, ou compelidos a agir como tal e é evidente
que num mundo povoado principalmente por caçadores, há pouco espaço para
devaneios utópicos, se é que existe algum. E assim mesmo se alguém soubesse
como melhorar o mundo e assumisse plenamente a tarefa de melhorá-lo, a questão
verdadeiramente intrigante seria: quem tem recursos suficientes e é forte o
bastante para fazer o que precisa ser feito...
Essa expectativa era investida na autoridade soberana dos E.U.A.
Vivemos um tempo de fuga, de descarte: as pessoas apegadas às roupas,
computadores, celulares e cosméticos de ontem representariam um desastre para
uma economia cuja principal preocupação, e condição sine que non para sua
existência, é a rapidez com que os produtos vendidos e comprados são jogados
fora. E nessa economia o despejo de lixo é a indústria de vanguarda. Você não
espera seriamente fazer do mundo um lugar melhor para se viver; não consegue
sequer tornar realmente seguro aquele melhor lugar do mundo que resolveu
construir pra si mesmo. E a insegurança veio pra ficar, não importa o que
aconteça.
O tipo de vida colocado em movimento e impulsionado pela compulsão à
fuga: a sorte dos perdedores reconhecidos, dos pobres eliminados do jogo do
consumismo, é uma vida de rebelião esporádica, porém mais comumentemente do
vício das drogas. “Em geral, o homem que injeta heroína em suas veias o faz, em
grande parte, pela mesma razão que você compra um vídeo.” Disse Brodsky em
1989.
O sonho de tornar a incerteza menos assustadora e a felicidade
permanente mudando o próprio ego, e de mudar o ego trocando de vestido, é a
“utopia” dos caçadores – uma versão “desregulamentada”, “privatizada” e
“individualizada” das antigas visões de boa sociedade. A caça é uma atividade
de tempo integral, que consome muita atenção e energia, deixa pouco ou nenhum
tempo para qualquer outra coisa. Desvia nossa atenção da eternidade da tarefa e
adia para as calendas gregas o momento de reflexão em que se deve enfrentar
francamente a impossibilidade de a missão um dia ser cumprida.
O que as pessoas querem é “ser desviadas de pensar no que elas são.. por
uma nova e agradável paixão que as mantenha ocupada, como o jogo, a caça, algum
espetáculo empolgante...” Mas o problema é que tendo feito isso uma vez, a caça
se transforma em compulsão, vício e obsessão.
Leandro Moreira da Luz é aluno do Curso de Direito da Faculdade Integrado de Campo Mourão – período 2/2015.

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