Já na epígrafe do ensaio Mauss exprime a dialética inerente à dádiva: a mesma troca que me faz anfitrião faz-me também um hóspede em potencial. Isto ocorre porque "dar e receber" implica não só uma troca material, para o nosso autor a antítese do dom não é o Mercado: as interações sociais são movidas por razões que ultrapassam os interesses estritamente materiais. "Dar e receber" é, também, uma troca espiritual.
É nesse sentido ontológico que toda troca pressupõe, em maior ou menor grau, certa alienalidade: ao dar dou sempre algo de mim mesmo; ao aceitar, o "receber" aceita o doador: a dádiva aproxima-os, torna-os semelhantes. No entanto, esse caráter livre e gratuito é ao mesmo tempo obrigatório e interessado.
Como supra observado, o fio condutor dessa ótica é a noção de aliança que a dádiva produz. Estas podem ser: tanto matrimoniais quanto políticas (troca de chefes ou diferentes camadas sociais), religiosas (como nos sacrifícios, entendidos como um relacionamento com os deuses), econômicas, jurídicas e diplomáticas (incluindo-se aqui as relações pessoais de etiqueta e hospitalidade).
As Dádivas não incluem só presentes! Incluem: visitas, festas, comunhões, esmolas, heranças, na verdade um sem número de "prestações" que podem ser "totais" ou "agonísticas". (nos aprofundaremos nestes conceitos no decorrer de nossas "prosas virtuais"). Algumas trocas são para Mauss, prerrogativas de chefia, receber tributo, por exemplo, podendo ser socialmente construídas de modo diferente, como privilégios e obrigações. Nesse particular, vê-se que da chefia, frequentemente, emanam valores que se estendem a sociedade como um todo generalizando-se. (A dádiva da palavra ou objetos é frequentemente um dever da chefia, em um sentido ontológico: mais do que condição necessária da sua existência, são manifestações particulares da chefia que se criaram por diferentes formas de troca).
Ao examinar as formas de circulação de bens em diferentes sociedades, Mauss se dedicou a compreender esse caráter livre/gratuito/obrigatório/interessado dos atos de dar, receber e contribuir, sendo que seu estudo debruça-se sobre "tragédias distributivas" fazendo sempre uma crítica ao paradigma utilitarista, no entanto, o autor recusa alguns fundamentos, como a noção de escassez (dos economistas clássicos).
É fato notório a contribuição de Mauss, de que a vida social não é só circulação de bens, mas também de pessoas (mulheres concebidas como dádivas em praticamente todos os sistemas de parentesco conhecidos), nomes, palavras, visitas, títulos, festas, etc. Neste comenos, Marcos Lanna (2000) sinaliza que entre suas principais contribuições, talvez, estejam :
a) Mostrar fatos que revelam que trocar é mesclar almas, permitindo a comunicação entre os homens, a intersubjetividade e a sociabilidade;
b) Regras estas que se manifestam simultaneamente no âmbito da moral, literatura, direito, religião, economia, política, organização do parentesco e na estética. Sendo assim a troca um fato social "total";
c) As trocas são simultaneamente voluntárias e obrigatórias, interessadas e desinteressadas, como já dito, mas também simultaneamente úteis e simbólicas.
Na próxima postagem, observaremos como Mauss coloca em seu ensaio a noção de Contrato e de Mercado.
Leandro Moreia da Luz é economista e aluno de Direito da Faculdade Integrado de Campo Mourão - PR, período 2015.2
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