Coutinho, L. A especialização regressiva: um balanço do desempenho industrial pós-estabilização. In Velloso, J.P.R. (org.), “Brasil: Desafios de um País em Transformação”, Editora José Olympio, 1997.
O Objetivo do presente artigo é demonstrar que a política econômica pós-Plano Real moldou uma armadilha difícil de desarmar com a sobrevalorização da taxa de câmbio combinada com a sustentação de juros muito elevados. O que, minou, até então, a possibilidade de um crescimento sustentado da economia, que permitiria expeditar a recuperação do terreno perdido durante os longos anos da crise.
Ao longo das décadas de 1950-60 a integração da economia mundial foi impulsionada pela transnacionalização das grandes empresas norte-americanas, num contexto de estabilidade do dólar e de hegemonia dos EUA. As grandes empresas européias reagiram e iniciaram movimentos contra-ofensivos de transnacionalização nos últimos anos da década de 1950. O Brasil se beneficiou dessa rivalidade para atrair e negociar a entrada de investimentos estrangeiros em condições favoráveis durante o ciclo expansivo 1950-60, sob o Governo Kubitschek (automobilístico, mecânica, material elétrico) o que contribui decisivamente para modificar o perfil da indústria brasileira e para concretizar um salto no processo de industrialização, viabilizado pelos investimentos públicos e estatais em infra-estrutura e em indústrias de base.
No fim dos anos 1960-70, a crise do dólar provocada pela emergência de grandes déficits externo norte-americanos foi acompanhada de crescente desregulamentação financeira, o que ensejou a notável expansão do “euromercado”. Este mercado livre de crédito internacional (alimentado pela maciça oferta de petrodólares após 1973), caracterizou uma nova fase de integração da economia mundial. O Brasil conectou-se a este novo mercado de crédito, através da contratação de empréstimos em grande escala, para sustentar o último ciclo de substituição de importações, sob o Governo Geisel. (Política esta duramente atingida pela alta da taxa de juros flutuantes após 1979 e pela significativa deterioração da relação de trocas entre 1980-83).
Nos anos 1980 a reestruturação tecnológica, organizacional e gerencial derivada da Terceira Revolução Industrial reorientou os fluxos de investimento direto, o comércio internacional e o movimento de capitais intra e entre as economias centrais industrializadas. Desse modo, com exceção da China e de um punhado de economias em desenvolvimento do Leste Asiático, a dinâmica mundial foi inóspita para os países em desenvolvimento, particularmente para a América Latina (AL). As razões são conhecidas: i) a crise da dívida; ii) a grave desorganização das finanças públicas; iii) a perda de dinamismo da economia brasileira nos anos 1980; e iv) a intensificação das fricções comerciais interblocos (especialmente entre EUA e Japão).
No início da década de 1990 ocorreu uma notável reviravolta. As tentativas de recuperar o crescimento e a marcante fragilidade dos sistemas bancários no mundo desenvolvido induziram os bancos centrais sob a liderança do FED a reduzir sucessivamente as taxas de juros, criando uma busca generalizada por aplicações alternativas. Taxas de retorno mais atraentes permitiu aos mercados emergentes atrair capitais financeiros em escala crescente no triênio 1991-93.
Os países em desenvolvimento foram inundados por capitais externos, no início de 1990, o que permitiu congelar ou estabilizar as taxas nominais de câmbio. O que, por sua vez, deteriorou a balança comercial com crescentes déficits em conta corrente e concomitantemente o retrocesso de parcela não desprezível da indústria doméstica.
No início de 1994 o crescimento acelerado da economia americana e o aparente receio de tensões inflacionárias levaram o FED a subir sucessivamente a taxa real de juros (zero para 3% a.a.). O fluxo de capitais para os mercados emergentes desacelerou-se já no primeiro semestre e passou a pressionar as reservar dos países com elevado déficit em conta corrente. (Sendo ainda recente, o programa brasileira ainda não tinha acumulado déficits continuados em conta corrente e o nível de reserva era bastante elevado). Isso amorteceu a violência da crise (Mexicana), dessa maneira o Brasil conseguiu administrar sem desistir da âncora cambial, mas foi forçado a subir brutalmente as taxas de juros e elevar fortemente as tarifas aduaneiras para alguns setores mais deficitários, e em abril/1995, através de um arrocho monetário/creditício provocou uma incisiva recessão para reduzir o déficit comercial e atenuar as necessidades de financiamento externo.
Essas decisões vêm tendo um preço elevado e não facilmente reversível: as importações saltaram de US$ 30 bilhões em 1994 para US$ 65 bilhões/ano no primeiro trimestre de 1997, ultrapassando em muito as exportações; os juros reais elevados penalizam as decisões de investimento fragilizando a sustentabilidade de expansão. Se considerarmos o PIB da indústria de transformação o coeficiente de penetração das importações (CPI) teria alcançado a significativa cifra de 30,5% em 1996.
É, portanto, inegável o forte viés antiprodução no país (e pró-importação) da política econômica decorrente do programa de estabilização. E este erro de calibragem vem custando muito caro: i) a desindustrialização dos setores e segmentos mais atingidos; e ii) rápida desnacionalização da indústria; Algumas exceções são os setores produtores de commodities, de grande escala de produção, onde a competitividade brasileira é muito forte. E os setores automobilísticos e têxteis sintéticos, por forças especiais de proteção.
É relevante assinalar a clara correlação existe entre o baixo dinamismo de muitos setores industriais e marcante penetração de produtos importados. Beneficiaram-se os lobbies mais bem estruturados, com maior capacidade de articulação política, capazes de extrair do Estado a adoção de medidas excepcionais: em vez de viabilizar uma política isonômica de incentivo sistêmico à busca de competitividade, a distorção câmbio sobrevalorizados-juros altos tende a agravar a heterogeneidade de oportunidade de desenvolvimento. Este excesso de seletividade darwiniana termina sendo contraproducente na medida em que inviabiliza o futuro de setores com potencial.
Fazendo um rápido balanço dos efeitos desse processo podemos observar que a tendência a desindustrialização avança em três dimensões: i) redução do valor-agregado no país em todas as cadeias industriais complexas; ii) perda de espaços da oferta doméstica de bens finais pela ocupação de parte do mercado por produtos importados; e iii) em alguns casos, a produção foi simplesmente suprimida e substituída por importações.
Todas as evidências indicam que esse tipo de abertura da economia brasileira com forte desproteção cambial tornou-se contraproducente, induzindo uma tendência a desindustrialização e à redução de valor agregado das atividades manufatureiras.
Em vários setores as empresas líderes assumiram a dianteira do processo de importação-substitutiva da produção local, efetuou-se um movimento de substituição de matérias-primas, insumos, partes e componentes domésticos por importados. Este recursos deprimem ou pelo menos não amplia proporcionalmente o volume das inversões no país, no sucesso da estabilização que representou uma significativa ampliação da escala do consumo nacional, tanto de bens duráveis quanto de bens não-duráveis.
Verifica-se, de saída, uma expressiva concentração dos projetos de investimento nos complexos produtores de insumos e commodities de grande escala produtiva (metalurgia básica, química básica, agrobusiness, papel e celulose) Em seguida se destacam o complexo automotriz e o têxtil, incentivado por um regime especial de proteção. Finalmente aparecem os investimentos programados no setor de equipamentos e aparelhos de comunicação. É importante assinalar que o estágio de amadurecimento dos processos de investimento é bastante heterogêneo.
No que tange aos investimentos estrangeiros diretos, também verifica-se grande concentração nos setores de bens de consumo duráveis (automobilístico, eletrônico de consumo e de eletrodomésticos) e não-duráveis (alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza). Concentraram-se nestes setores 78% dos projetos analisados. Sendo a grande maioria dos projetos motivada pela forte expansão do mercado interno, sendo pouco expressivo o componente exportador destes. No caso dos veículos, da química, alimentos, embalagens e latas de alumínio e produtos de higiene e limpeza, onde há efetiva divisão do trabalho e integração logística no plano regional é visível a integração da capacidade produtiva no âmbito regional (MERCOSUL). Esse interesse das empresas já instaladas e dos novos concorrentes atraídos pelo tamanho do mercado vem promovendo ganhos importantes de competitividade, porém não se deve esperar que os investimentos em curso tenham impacto significativo na expansão da renda e do emprego. Além disso, um dos maiores problemas, é que esta “expansão” apenas reitera a “velha” especialização competitiva da economia brasileira em produtos de baixo dinamismo no comércio internacional.
Em resumo, as seguintes características do novo ciclo de investimentos podem ser sublinhadas: i) o aumento das inversões foi relativamente modesto; ii) os investimentos se concentram nos setores produtores de commodities e bens intermediários, que correspondem ao padrão de competitividade brasileira estruturado na década de 1970; iii) a expansão da capacidade instalada desses setores vem sendo retardada e/ou subdimensionada em função da compressão das respectivas margens de lucro resultante da sobrevalorização cambial e do desempenho medíocre dos preços internacionais; iv) as inversões também tem se concentrado nos setores de bens-duráveis especialmente naqueles protegidos e beneficiados por programas especiais de fomento; v) nos bens não-duráveis há crescimento particularmente naqueles menos afetados pela penetração de produtos importados; vi) o mercado interno em expansão tem sido alvo primordial dos investimentos; vii) em muitos setores de produtos intermediários e principalmente no setor de bens de capital, predominam decisões de investimento _ fechamento de plantas industriais, total ou parcialmente e substituição de várias linhas de produtos por importações; e viii) os investimentos em infra-estrutura ainda não se recuperaram expressivamente (exceto a telefonia).
Em resumo, o novo ciclo de investimentos não vem alavancando a capacidade futura de exportação de forma significativa, pois se concentra na “velha” especialização competitiva dos commodities de baixo valor agregado.
Concluindo, a longa crise de uma década e meia não permitiu que o Brasil pudesse acompanhada adequadamente a terceira revolução tecnológica e o processo de aprofundamento da integração econômica mundial; os condicionantes observados de ordem conjuntural tendem a agravar as fragilidades estruturais e causar crescente retrocesso industrial em muitos setores, na medida que não permitem a formação de um horizonte de desenvolvimento sustentado. No entanto, as condições frente à globalização não constituem uma fatalidade imutável. O Brasil possui energias e potencialidades para optar por outra rota, deve-se articular os instrumentos de fomento industrial e conter, velozmente, a penetração das importações predatórias de forma mais consistente. Tudo isso exige, porém, a compreensão de que a globalização não é um fenômeno espontaneamente benigno para os países em desenvolvimento da periferia. Ela certamente cria possibilidades, mas apenas para as sociedades que tem coesão, estratégia e Estado eficiente para delas tirar proveito.
Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.