Devlin, R.; French-Davis, R.; Griffith-Jones, S. Crescimento dos fluxos de capital e desenvolvimento: uma visão geral das questões de política econômica. Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 411-444, dez. 1994.
Este artigo apresenta questões de política econômica relativas aos influxos de capital, baseando-se nos estudos de caso efetuados neste e também em outros trabalhos recentes sobre o assunto. É dividido em quatro seções: introdução, a seção 2 que repassa os fundamentos conceituais do papel dos fluxos de capital externos no desenvolvimento econômico e a questão da liberalização financeira e abertura da conta de capital; a seção 3 focaliza as fontes do recente crescimento acelerado dos fluxos de capital e algumas das implicações de políticas no lado da oferta; e a seção 4 que faz uma avaliação do impacto atual desses fluxos de capital sobre as economias da América Latina e um exame das implicações de políticas.
A partir de 1960 observa-se um crescimento substantivo dos mercados internacionais de capitais refletindo um aumento do comércio mundial e a globalização da produção e fatores puramente financeiros que se propagam com uma velocidade maior. A fuga desses capitais foi incentivada pelas desregulamentações financeiras nacionais, à diminuição dos controles de capital e a diminuição dos impostos. Isso, conjuminado com os avanços tecnológicos e nas telecomunicações e, com o surgimento de uma engenharia econômica cada vez mais sofisticada contribuiu para o crescimento acelerado dos fluxos financeiros nacionais e internacionais.
Esses desenvolvimentos geraram uma controvérsia: de um lado estão os que vêm a integração crescente como um sinal de maior eficiência e acham que os mercados estão superando a supressão financeira característica da regulamentação ineficiente dos governos; e de outro lado estão os que vêem o crescimento acelerado dos fluxos de capital como especulação de alto risco que ameaça a soberania nacional. E, naturalmente, há entre esses dois extremos várias posições que reconhecem as vantagens potenciais de uma maior mobilidade internacional do capital, mas também estão preocupados com questões como sustentabilidade, competitividade internacional, crescimento e justiça social.
Na América Latina essa controvérsia assumiu grande importância, principalmente após os grandes fluxos de capital no período 1991/93 que permitiram contornar a restrição externa que contribuíra para baixo níveis de investimento e grave recessão econômica, entretanto, também tiveram uma influência indesejada sobre a evolução das taxas de câmbio, o grau de controle da oferta monetária, as obrigações externas e, possivelmente, a vulnerabilidade futura a novos choques externos.
Entre os principais papéis do capital externo significativos para o desenvolvimento estão a canalização das poupanças externas em direção aos países com capital insuficiente e o financiamento compensatório dos choques externos, que ajuda a estabilizar o dispêndio doméstico.
É fato que os capitais melhoraram sua eficiência na alocação ao buscarem melhores taxas de retorno, no entanto, como reflete a teoria pode haver sérias ineficiências originadas desses mecanismos alocativos. No curto prazo, as imperfeições fazem com que os mercados aloquem capital de mais ou de menos e quando os erros são muito grandes podem induzir a crises com conseqüências devastadoras para empresas, setores e nações. Essas perturbações do curto prazo podem gerar vantagens ou desvantagens arbitrárias a diferentes agentes econômicos, podendo por si só tornarem-se determinantes dos retornos e, portanto, das tendências internacionais de alocação de recursos.
A mobilização da poupança externa tem o papel clássico dos fluxos de capital em um país em desenvolvimento. Esta somada com algumas condições pode criar um círculo virtuoso no qual há uma expansão econômica sustentada. No entanto, estas podem não ser todas satisfeitas na prática: os problemas antes mencionados e a conseqüente crise de pagamentos fizeram, freqüentemente, com que este mecanismo de desenvolvimento operasse fragilmente.
A mobilidade de capital também pode ajudar a distribuir no tempo os custos de diferenças intertemporais entre produção e gasto. Porém, este processo pode nem sempre evoluir suavemente na prática. Nem sempre é fácil determinar um declínio do setor externo é transitório ou não e qual será a sua duração. Essas incertezas, combinadas com as imperfeições dos mercados internacionais de capital (especialmente as assimetrias de informação e os problemas quanto ao cumprimento) representam obstáculos ao ingresso de volumes adequados de financiamento externo.
No que se trata ao livre comércio de ativos financeiros e sua analogia entre o livre comércio de mercadorias, esta pode estar equivocada, principalmente porque este último gera transações completas e instantâneas enquanto o comércio de ativos financeiros é intrinsecamente incompleto e de valor incerto. Por isso, algumas formas de regulamentações do comercio de ativos melhoram os funcionamentos dos mercados, como também o desempenho geral da economia através do aprimoramento da estabilidade macroeconômica e do melhor desempenho a longo prazo do investimento.
O consenso de que a mobilidade do capital é um componente necessário ao processo de desenvolvimento não analisa o capital-como-um-todo, não observa algumas variáveis importantes do mundo real: gargalos no acesso às informações, peculiaridades institucionais dos investidores, estrutura de mercado onde os investidores operam, o volume e o momento do financiamento e os custos e volatividade. Como a prática real pode condicionar os méritos até mesmo dos argumentos teóricos mais atraentes não é de surpreender o debate em torno dos mercados financeiros internacinais e sobre a mobilidade do capital. Nos últimos anos o número de proponentes de contas de capital aberto tem crescido constantemente, mas recentemente parece haver uma tendência crescente no sentido de um pensamento mais pragmático com relação a essa abertura. De todo modo, faz-se seguir uma revisão das tendências.
De 1950 a 60 o pensamento principal sobre desenvolvimento focalizou predominantemente a atividade real da economia, entretanto, as novas tendências focalizaram a necessidade de reduzir a intervenção e de liberalizar os mercados, com ênfase especial nas finanças internas, sustentando uma conta aberta de capital como meio de elevar a poupança nacional, aprofundar os mercados financeiros internos, reduzir os custos de intermediação financeira através do aprimoramento da concorrência, satisfazer a demanda individual de diversificação de riscos e otimizar a alocação de recursos.
Embora os partidários dessa abordagem estivessem de acordo com o diagnóstico estes se dividiam entre adotar simultaneamente em um tipo de big bang e outros de uma maneira seqüencial sendo a conta de capital aberta somente após a consolidação das outras medidas liberalizantes. No que diz respeito a essa divergência de opinião com respeito à velocidade da abertura da conta de capital, a abordagem gradualista é mais consistente com as conclusões derivadas do debate internacional sobre a seqüencialidade das reformas.
Embora os partidários dessa abordagem estivessem de acordo com o diagnóstico estes se dividiam entre adotar simultaneamente em um tipo de big bang e outros de uma maneira seqüencial sendo a conta de capital aberta somente após a consolidação das outras medidas liberalizantes. No que diz respeito a essa divergência de opinião com respeito à velocidade da abertura da conta de capital, a abordagem gradualista é mais consistente com as conclusões derivadas do debate internacional sobre a seqüencialidade das reformas.
No grande aumento dos fluxos em 1991/1993 observa-se o caso do México como o mais dramático (de quase zero entre 1983/90) para 8% do PIB em 1991/93, na Argentina e o Chile o aumento foi substancial, mas menos dramático. Quanto às fontes desses ingressos para a América Latina vê-se que as carteiras de ações emergiram como uma fonte nova de financiamento, os lançamentos de títulos também aumentaram notoriamente de importância, enquanto que os empréstimos de bancos caíram substantivamente, tendência que seguem as tendências globais especialmente ao que se refere aos empréstimos dos bancos comerciais e a rápida ascensão dos valores mobiliários (títulos, ações).
No que se refere à composição regional dos fluxos de oferta observa-se os EUA como fonte importante, conseqüentemente pelas perspectivas de implantação do Nafta e de maior integração hemisférica. Entre 1987/90 25% do IED partiram da Europa e apenas 5% veio do Japão, sendo a maioria para paraísos fiscais. No que tange às similaridades entre estes vale ressaltar, de início, que todos os investidores institucionais, especialmente os fundos de pensão e as companhias de seguro, têm presenciado um aumento dramático de seus ativos totais na última década; uma segunda tendência foi a ocorrência de mudanças regulatórias que melhoraram o acesso dos países em desenvolvimento a seus mercados de ações e títulos; em relação às restrições está se deve ao fato que, embora conscientes de melhoras importantes nas economias latino-americanas e dos retornos mais altos, estes ainda percebem estes países como potencialmente voláteis tanto econômica quanto politicamente.
Um dos maiores problemas para os formuladores de políticas e órgãos reguladores é tomar decisões em meio a dados incompletos sobre a magnitude dos diferentes tipos de fluxos. Em que medida esses fluxos são canalizados para investimento, quão eficientes são esses investimentos e que proporção é canalizada para a produção de bens comercializáveis? Informações mais completas, consistentes e rápidas dos fluxos privados seriam benéficas para todos os participantes, nos países de origem dos recursos e nos destinatários, incluindo poupadores, investidores e tomadores. Além disso, os benefícios da interação do fluxo de capital privado com o desenvolvimento dependem parcialmente do acesso estável e previsível aos mercados financeiros. Os riscos de restrições abruptas na oferta e/ou aumentos rápidos e excessivos no custos e o encurtamento dos prazos de maturidade dos passivos externos são parcialmente determinados por percepções de risco e, portanto, pelas políticas do país recebedor dos recursos. Mas, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, o acesso pode estar fortemente condicionado por dinâmicas do lado da oferta, determinadas exogenamente e relacionadas a políticas de países industrializados nas áreas de regulação macroeconômica e financeira.
A subida expansão dos ingressos de capitais forneceu financiamento necessário à continuação, de um modo socialmente mais eficiente, dos programas de ajuste estrutural iniciados por vários países na década de 1980. Porém, representaram também um desafio com relação à mecanismos de proteção à crises financeiras, estabilidade e sustentabilidade do equilíbrio macroeconômico e para promover investimento. Para a região como um todo houve efeitos positivos de tipo keynesiano. A disponibilidade de poupanças externas possibilitou o financiamento de mais importações associadas a um maior uso da capacidade produtiva, o que, por seu efeito na produção e na renda, reativou a demanda agregada (Chile, Argentina e Venezuela). A média anual chegou a US$ 62 bilhões em 1992/93. Essa tendência refletiu, inicialmente, na recuperação dos níveis “normais” de demanda agregada, de importações e da taxa de câmbio real, os quais se achavam condicionados pelas restrições externas durante o período anterior.
Ao se defrontar com uma abundância inesperada de financiamento externo, o qual podem ser parcialmente transitória ou com fluxo rápido demais para ser eficientemente absorvido pela economia, as autoridades podem: procurar moderar o impacto sobre a taxa de câmbio através da compra de divisas (acumulando reservas), podem adotar políticas de esterilização (operações de mercado aberto) para mitigar o impacto monetário do acúmulo de reservas decorrentes da invervenção em primeiro nível; e podem adotar políticas de incentivos, e sobretaxas ou controles quantitativos para regular os ingressos de capital, influenciando assim sua composição e volume. O objetivo é encorajar os fluxos cujo volume seja consistente com a capacidade interna de absorção da economia, canalizando-os para projetos de investimento produtivos e, ao contrário, desencorajando a entrada de capital de curto prazo.
No caso de uma intervenção não-esterilizada, há a expectativa das taxas nacionais de juros e de inflação convergirem rapidamente para os níveis internacionais, visando estabilidade de preços, ancorando-se em uma taxa de câmbio nominal fixa, estando disposto a aceitar uma política monetária passiva. De fato, o BACEN deve acumular reservas internacionais substanciais à medida que compra divisas produzidas pelos ingressos de capitais. Sendo uma parte substancial do sucesso relacionado à confiança dos agentes econômicos na capacidade das autoridades monetárias de manterem a taxa nominal de câmbio, e da relação entre inflação e esta. Uma aposta exagerada nessa abordagem de ataque à inflação é claramente uma estratégia de alto risco.
No caso de uma intervenção esterilizada há os efeitos monetários da acumulação de reservas durante a expansão dos ingressos de capital. O objetivo é isolar o estoque de moeda das grandes flutuações oriundas da mobilidade do capital estrangeiro. Se eficaz, esta intervenção evita que as taxas internas de juros caiam e limita a expansão da demanda agregada. Este tipo de intervenção foi preferida por países que deixaram para trás um conjuntura recessiva: manter uma política monetária ativa e, ao mesmo tempo, uma posição mais cautelosa com relação aos ingressos de capital. No entanto, esta esterilização não é livre de problemas. Os problemas surgem quando é pequena a flexibilidade do sistema fiscal para os governos poderem usar essa política para compensar os choques internos ou externos. O que acontece é que os outros instrumentos (monetário e cambial) são sobrecarregados. É por isso que, na prática, esta alternativa de intervenção tem sido combinada com outras medidas de políticas. Entre os países que optaram por uma intervenção ativa, o Chile é o que tem sido mais persistente, mas outros como a Colômbia, Costa Rica e México, também merecem ser mencionados.
Uma maneira de perceber que a economia segue para um patamar “economicamente saudável” seria separar os componentes permanentes dos temporários: se houver um fluxo permanente adicional e fenômenos a ele correlacionados como valorização do câmbio, crescimento do déficit da conta corrente e aumento do consumo, estes poderão ser considerados como ajustes estabilizadores. Se os fluxos forem temporários, esses movimentos mencionados nas variáveis-chave causarão distorções. A existência de externalidades e de outras imperfeições dos mercados internacionais de capitais dá origem a ciclos freqüentes de abundância e escassez de recursos e crises sistêmicas.
Os ingressos de capital, obviamente, não são sempre consistentes com os objetivos de estabilidade macroeconômica em seu sentido amplo, de crescimento sustentável e de justiça social; justifica-se, portanto, um certo grau de “gestão” governamental direta ou indireta, para influenciar o volume e a composição desses fluxos.
Os fluxos de capital são claramente um instrumento muito valioso para o desenvolvimento econômico e para o processo de integração da economia mundial. Porém, o caráter intertemporal das transações financeiras e a natureza incompleta dos instrumentos disponíveis contribuem para que os mercados financeiros estejam entre os mais imperfeitos da economia. Portanto, melhores informações, regulamentação do setor financeiro e macrogestão (direta e indireta) ampla e prudente dos fluxos constituem um bem público em cujo gerenciamento há um papel a ser compartilhado pelos governos.
Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.
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