KRUGMAN, Paul. “Tulipas holandesas e mercados emergentes”. Política Externa. São Paulo, v.4, n° 2, set. 1995, p. 80-94.
Krugman começa seu artigo observando o contexto surpreendente da primeira metade dos anos 1990, quando os acontecimentos econômicos e políticos dos países em desenvolvimento foram contra quaisquer expectativas, governos com mais de meio século de políticas estatizantes e protecionistas converteram-se para uma verdadeira religião do mercado aberto e se tornaram, repentinamente, favoritos dos investidores do capital privado.
Os juros baixos nos países desenvolvidos, a queda do comunismo e uma vultosa mudança no Zeitgeist intelectual (“a aceitação quase universal, tanto por parte dos governos quanto dos mercados, de uma nova visão sobre o que é necessário para o desenvolvimento”) conhecida como o “consenso de Washington” foram, grosso modo, os determinantes das reversões nas políticas governamentais e no ânimo dos investidores. Após a retirada da “mão-pesada” do Estado criar-se-ia enormes possibilidades de lucro e o capital, livre das amarras, migraria para os países em desenvolvimento realizando um período prolongado de rápido crescimento através das expectativas otimistas dos investidores sobre os novos mercados.
“E então veio a crise do México”. Muitos sustentaram que os problemas do México apresentam implicações mais amplas. Argumentaram que a crise na moeda diz mais sobre gerenciamento de curto prazo do que sobre perspectivas de desenvolvimento de longo prazo. Observando a história, vemos que as crises monetárias são parecidas entre si, “o golpe sobre o peso em dezembro de 1994 foi muito semelhante ao golpe de setembro de 1992 sobre a libra esterlina, que por sua vez assemelhou-se aos golpes de 1973 e 1971 sobre o dólar e o de 1969 sobre o ouro”. Outros salientaram os “aspectos singulares” da crise: “a revolta dos Chiapas e o assassinato do candidato a presidente Luiz Donaldo Colossio”.
No entanto, a crise nem é um revés temporários, nem tampouco um questão puramente mexicana. Na realidade o consenso de Washington não baseava-se em conquistas sólidas mas apenas em expectativas excessivamente otimistas. Não que as políticas delineadas por Williamson estivessem incorretas, mas que sua eficácia foi alargada em larga escala. Por isso, pode-se ver a supremacia do consenso mais como uma “bolha especulativa”, e se a realidade não for tão boa quanto o “mito” a bolha estoura. Na realidade, a crise mexicana marca o início da deflação do consenso de Washington garantindo que a segunda metade dos anos 1990 será um pouco mais problemática do que a primeira para o capitalismo global.
Fazendo o verdadeiro acerto de contas observamos que a lógica que prescreve as tarifas e alíquotas de importação quase sempre reduzem a receita real, passou incólume, a um século e meio de críticas, na maioria das vezes cáusticas. Além disso, os governos que fingem ou imaginam que estratégias intervencionistas consistem num melhoramento sofisticado do livre comércio, na maioria das vezes tem como base políticas altamente irracionais, ou pior, racionais somente na medida em que privilegiam grupos de interesse mais importantes, em detrimento da sociedade. Além disso, o custo mensuráveis das políticas protecionistas: as reduções da receita real não são tão grandes quanto parecem; os custos das reservas de mercado (advindos da alocação inadequada de recursos _ injetando capital e trabalho em setores relativamente ineficientes, em vez do contrário, exportando esses produtos em troca de todo o resto) são absolutamente reais, mas quanto se tenta aumentá-los, o ônus é menor do que a retórica do livre comércio sugere.
Os argumentos contra o protecionismo são maiores do que o observado na realidade e os “prós” ao liberalismo são ainda maiores que os primeiros. No caso dos primeiros fala-se:
i) que o protecionismo diminui a concorrência no mercado interno _ isso gera um gerenciamento ineficiente;
ii) o controle de juros que reverte-se a quem seja influente para receber as devidas licenças governamentais (Anne Krueger, sustenta em seu estudo que os recursos desperdiçados em busca desses lucros apresentam um custo líquido maior à economia do que a distorção que o protecionismo causa aos diversos setores); e
iii) o protecionismo desestimula a inovação e a introdução a novos produtos. Os argumentos em prol da liberação, contudo são mais “especulativos”; não se pode dizer como uma questão de princípios que os efeitos do protecionismo desestimulam o crescimento. “A evidência empírica de ganhos maiores a partir das políticas defensoras do livre mercado é, na melhor das hipóteses, vaga.” Isso não quer dizer que a liberação não é uma boa idéia, na maioria das vezes é. No entanto, a crença generalizada da adoção de livre comércio e mercados abertos geraria um impulso aos países em desenvolvimento representa mais um ato de fé que uma conclusão com base em evidências concretas.
Os argumentos em relação à moeda forte ainda são mais incipientes. Uma taxa de inflação muito alta interrompe seriamente o funcionamento de uma economia de mercado, mas não há como conceber quaisquer ganhos a partir de uma redução na taxa de inflação de 20% para 2%, além disso, os métodos utilizados para isso implicam sérios custos, o estabelecimento de uma taxa cambial fixa desalinha os preços e os custos internos em relação ao resto do mundo e é difícil de sustentar quanto alteram-se variáveis como o preço do petróleo, o valor do dólar e as taxas de juros. No entanto, foi exatamente isso que ocorreu em diversos países em desenvolvimento na primeira metade dos anos 1990. (O caso mais extremo foi o da Argentina).
Em uma análise sobre os efeitos das reformas não se parece justificar o entusiasmo. Reduzir a inflação é importante, mas fazê-la por meio da fixação cambial dá origem a uma mistura de custos e benefícios que os argumentos contrários têm tanta força quando os favoráveis. E o entusiasmo que levaram aos investimentos aos países em desenvolvimento na primeira metade dos anos 1990 parece mais um exemplo clássico de bolha especulativa.
A defesa intelectual ao protecionismo para promover a industrialização na década de 1950 tornou-se obsoleta deste o final da década de 1960. Contudo a insistência de grupos de interesse estabelecidos no sistema vigente bloqueou qualquer grande iniciativa ao livre-comércio. “Porque então uma mudança repentina?” A resposta é a condição insustentável diante da crise da dívida do Terceiro Mundo nos anos 1980. No entanto, essas crises, via de regra, levam a mais protecionismo, então porque foi esse caso foi diferente?
O argumento utilizado foi: “temos que seguir a estratégia que todos que trabalham com seriedade sabem que funciona: mercados abertos _ inclusive livre comércio _ e moeda forte, levando a um rápido crescimento econômico”. A compensação imediata diante do consenso foi o aumento imediato da confiança do investidor. No caso do México, este deu inicio à liberação no final dos anos 1980, sem resultados imediatos claros, o que veio acontecer após a renegociação da dívida a partir de 1990 de forma inteligente. Os resultados se deram de forma assustadora, as taxas de juros caíram de 30 a 40% para 5 a 10 quase que imediatamente. Excluído desde 1982 dos mercados financeiros internacionais, agora os fluxos de capital retomaram-se em escala cada vez maior e o crescimento foi retomado na economia há muito estagnada. A redução da dívida trouxe mercados abertos e moeda forte, o que criou uma expectativa otimista por parte dos investidores, e é de se supor que estes acreditavam em um “mundo novo” que a inflação desenfreada, as políticas econômicas populistas, os controles de câmbio e afins estavam desaparecendo do cenário global.
Analisando a realidade observamos que os parcos fluxos de capital na década de 1980 reverteram-se em cerca de 130 bilhões de dólares em 1993. A maioria para países que tinham comprometimento com consenso de Washington. A ênfase na moeda forte havia levado a reduções na taxa de inflação: no México que entre os anos de 1987 a 1991 a média foi de 49%, em 1994 estava à 7%. Na argentina, com uma média de 609% foi a 4% nos mesmos períodos. No entanto, como conseqüência, os custos e os preços tornaram-se desalinhados com o resto do mundo: o peso caiu entre 1990-1994 13%, mas os preços ao consumidor subiram 63%, em contraste com 12% dos Estados Unidos.Assim, o cambio real do México aumentou 28%, o que excluiu muitos produtos mexicanos da concorrência criando um boom nas importações. Na argentina a taxa de câmbio real aumentou 68%!
A entrada maciça de capital estrangeiro no México foi algo também desapontador. Embora os fluxos tenham atingido 30 bilhões em 1993, a taxa de crescimento 1990-94 foi de apenas 2,5% em média (taxa inferior ao crescimento populacional). Na argentina o crescimento foi em média maior que 6%, mas admite-se que isso se deve ao estado extremamente reprimido da economia no período anterior as reformas. Se considerarmos a América Latina como um todo o crescimento médio entre 1990-94 é de apenas 3,1%a.a. Além disso, os benefícios do crescimento, sob qualquer hipótese, foram distribuídos de maneira muito desigual e embora as bolsas de valores latino-americanas estivessem decolando, o desemprego estava crescendo e os pobres ficando mais pobres.
Desse modo, além de desapontador o desempenho real dos que adotaram as políticas do consenso de Washington, a idéia de que esses países estavam no caminho certo tornava-se cada vez mais frágil. Assim, uma crise de confiança fazia-se inevitável. Apesar da popularidade mexicana entre os investidores estrangeiros, o ritmo de crescimento caiu em 1993 a níveis quase paralisantes, o que causou aumento sensível no desemprego, devidos ao aumento da taxa de câmbio real após 1990 que desestimulou as exportações e estimulou uma demanda crescente por bens de importação e as políticas defensoras do mercado aberto não haviam provocado, até então, explosão de produtividade, novas indústrias e exportação esperadas pelos reformistas.
O dilema era então: desvalorizar o peso para tornar os produtos competitivos? Mas isso seria desgastante para a credibilidade, principalmente em época de eleições, e a decisão foi a volta ao processo inflacionário por meio do afrouxamento na contenção dos gastos governamentais. O resultado foi uma perda de credibilidade ainda maior.
Deste modo, devido a esta crise, provavelmente entra-se numa época de “expectativas deflacionadas” e a premissa comum de que as políticas de livre comércio e mercados abertos espalhando-se por todo o mundo certamente mostrasse incorreta. Mas será que o saber representado pelo consenso vai ser tão facilmente destruído? A resposta evidente é que não haveria outra alternativa _ o comunismo está morto, as velhas estratégias protecionistas eram erros sofismáveis.
Mas é pouco criativo afirmar que devido ao fato de não haver outros paradigmas populares ninguém conseguirá fugir das diretrizes desse modelo. Há rumores sobre a adoção de um suposto modelo asiático (baseado no Japão em vez dos EUA). No entanto, a fundamentação dessas idéias é ainda bem mais frágil que a do consenso de Washington, “mas supor que idéias ruins jamais florescem é ignorar as lições da história”.
Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.

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