TAVARES, Maria da Conceição. As políticas de ajuste no Brasil: os limites da resistência. In: TAVARES, Maria da Conceição, FIORI, José Luis. (Des) Ajuste global e modernização conservadora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
A análise das tentativas de ajuste e estabilização da economia brasileira é o objetivo do artigo. Para isto, a autora lança mão da observação do caso exitoso do Chile, e as experiências do México e da Argentina, para mostrar a especificidade brasileira pretendendo mostrar a distância entre os processos reais e qualquer doutrina assumida pelas políticas de estabilização.
TAVARES (1993) começa esboçando três hipóteses que “estão por trás deste ensaio”. A primeira refere à maneira como o Estado financia o serviço da dívida externa através de políticas de contenção de demanda global com alteração de preços relativos a favor dos bens exploráveis. Além da tentativa de ajuste fiscal com cortes em gastos essenciais em investimento (já que não é possível expandir as bases de ampliação da carga tributária) para suportar os desequilíbrios patrimoniais crescentes. Há, também, as recomendações das políticas de ajuste neoliberal: desregulamentação dos mercados e a abertura comercial irrestrita. O que, segundo a autora, são fontes de desequilíbrio enquanto não atingirmos certo grau de estabilização e de crescimento com uma boa inserção internacional (sem essas condições, as políticas liberalizantes são forçadas a movimentos de stop and go). Além disso, a deterioração simultânea dos padrões monetário, fiscal e de balanço de pagamentos sinaliza que as economias estão se aproximando da hiperinflação, esta é a forma extrema do desequilíbrio, que atinge tanto as funções clássicas da moeda como o sistema de crédito público e privado. Finalmente, vale ressaltar o papel do Estado na economia_ não basta desregular, privatizar e tentar reduzir o tamanho do estado, como ensina a doutrina neoliberal. Há de se tentar reestruturá-lo e mudar seus padrões de financiamento (fiscal, financeiro, patrimonial), além de mudar a forma de gestão e regulação pública.
O ajuste axitoso das políticas neoliberais no Chile tem como primeiro choque liberalizante em 1974-1978, mas apenas a partir de 1984 conseguiu-se obter simultaneamente um ajuste interno e externo bem sucedido, atribuído às políticas de desregulação e abertura comercial e financeira adotas a partir da segunda metade de 1970. No entanto, há também a força fiscal e comercial do Estado chileno utilizada como instrumento de intervenção nos ajustes da década de 1980; a reconversão dinâmica da agricultura para produtos não-convencinais com orientação exportadora (com origem em períodos anteriores); e o poder de compra público (da exportação e da receita parafiscal) das empresas estatizadas do cobre, sem o qual o ajuste exitoso dos anos 1980 não seria possível.
Os ajustes macroeconômicos neoliberais chilenos de 1974-1979 e 1980-1984 são verdadeiros fracassos. Entre as políticas macroeconômicas implementadas na segunda metade dos anos 1970 vale destacarem três: a liberalização do sistema financeiro interno _ levou a economia chilena a produzir déficits comerciais consideráveis; a desregulação do fluxo de capitais do exterior; e a política de âncora cambial, que se tentou utilizar-se como instrumento antiinflacionário. Em 1982 a desvalorização levou a baixo os valores das carteiras dos bancos e das aplicações na bolsa e a onda especulativa levou o governo a intervenção massiva no mercado financeiro, significando a estatização do próprio sistema bancário e a regulação estrita das taxas de juros e dos mercados creditício e cambial. A instabilidade cambial manteve-se de 1982 até 1984 com políticas cambiais, monetárias e de renda contraditórias “ainda que em todo período crítico, se mantivessem tratativas com o FMI para obter seu aval nas negociações com os banqueiros privados estrangeiros.
O verdadeiro ajuste macroeconômico iniciou-se em fevereiro de 1985, com o ministro Buchi, que utilizou, simultaneamente, políticas liberais, políticas públicas de gasto público e de financiamento anticíclicas e aumentou a proteção efetiva da economia. Sendo as conquistas alcançadas na gestão relacionadas às políticas expansionistas e às condições externas _ refinanciou-se a dívida e conseguiu-se retirar US$ 9.600 milhões de estoque da dívida entre 1985-1990; houve uma melhora substantiva nos termos de troca devido a uma elevação nos preços do cobre; Nessas condições, foi possível gerar, simultaneamente, um excedente público com potencialidade de investimento, e mais do que isso, convertê-lo em excedente financeiro capaz de absorver, mediante a geração de mais receitas fiscais e parafiscais, os custos adicionais de uma política cambial ativa que contribuiu para aumentar a proteção ativa, assim como estimular as exportações não-convencionais.
O novo governo democrático que entrou em 1990 encontrou a economia em crescimento acelerado (10%), com tendência a reacelerar a inflação, de tal modo que teve que adotar políticas de contenção de demanda e reverter a curto prazo o ciclo econômico. Havia de se corrigir práticas rentistas e concentradoras de renda e riqueza e a centralização do poder que havia permitido mazelas sociais e políticas do regime autoritário.
No caso do México e da Argentina, pode-se dizer que o êxito em conter a inflação se deu por uma política cambial desobrevalorização da moeda local, em condições de liberalização comercial e financeira. “No entanto, esta estabilidade pode ser meramente provisória”. No que se trata ao México nos “informes oficiais, tanto a brecha entre poupança interna e investimento como a brecha comercial dos últimos três anos estão fechando com vultosa absorção de recursos externos de curto prazo (BID, 1992, p. 107-108)”. As necessidades de financiamento do setor público (ao contrário de 1974-85) não estão sendo supridas com o aumento do excedente petrolífero e da carga tributária, mas mediante um incremento considerável da dívida pública, que é a contrapartida monetária interna da retomada do endividamento externo a partir da renegociação da dívida. A questão é que não há equilíbrios macroeconômicos verdadeiros e o crescente déficit em conta corrente com as regras da apreciação contínua do peso mexicano ante o dólar representam uma ameaça permanente de crise cambial e fiscal. Um modelo como esse, com a quase completa liberalização, de mercados de bens transacionais e do mercado financeiro, tem sua própria instabilidade intrínseca. A possibilidade de o México se manter diante dos EUA igual eles se mantiveram em relação ao mundo na primeira metade dos anos 1980 (captador líquido de recursos externos, com apreciação da moeda e com desequilíbrios crescentes no balanço de pagamentos), parece altamente improvável.
Ainda há o desequilíbrio estrutural no mercado de trabalho _ o desemprego estrutural e salários declinantes nos setores de bens não-competitivos contrastam com a alta nos salários médios da indústria integrada capaz de absorver o excedente de mão-de-obra.
O caso da Argentina difere no sentido que sua tentativa de estabilização, pois esta não conseguiu ajuste fiscal e patrimonial semelhante ao México, também não retomou sua capacidade de endividamento externo e interno em condições análogas. Sua carga tributária, apesar de mais alta, vem diminuindo ao longo dos anos 1980. Além de não contar com excedentes petrolíferos. Porém, sua força financeira reside de um complexo agroexportador com empresas financeiramente poderosas e tradicional inserção no mercado internacional, enquanto os interesses industriais são mais débeis e as exportações manufatureiras menos diversificadas.
Na Argentina, tanto as políticas liberais como as heterodoxas (controle de preços) tem resultado em fracassos. Isso explica a baixa expectativa da população após duas décadas de estagflação e à deterioração do padrão de vida que estava entre as mais altas da América Latina.Com o ministro Cavallo, o plano obteve uma inesperada expectativa entre os agentes_ sem impor perdas aos agentes privados, conseguiu-se um acordo de preços, decretou a ampliação do prazo da dívida externa para 10 anos e fixou a paridade com o dólar, declarando a moeda plenamente conversível. O resultado mais expressivo, além da baixa da inflação, foi o retorno de parte dos capitais que haviam migrado e uma certa recuperação econômica, ainda que em níveis não alcançados pelo Chile e México por falta de níveis adequados de investimento público e privado. O ponto fraco do Plano Cavallo está em sua virtude e sucesso originais: a conversibilidade da moeda e uma taxa de câmbio fixa _ a argentina foi invadida por produtos do exterior (em particular do Brasil), houve a elevação de preços de bens não-transacionais e pressão na indústria manufatureira, juntamente com a queda do salário real provocada pela discrepância entre preços internos da cesta básica urbana com os preços externos agroexportadores.
A idéia do regresso ao câmbio flutuante encontra resistência no governo por conta que desarmaria a equação monetária e financeira _ “o câmbio fixo e a absorção de recursos externos com baixa taxas de juros, sem necessidade de recorrer ao crédito interno público favorecem equilíbrio financeiro do setor sem ter que regressar ao famoso dilema do crowding-out e do ajuste fiscal permanente. Mas a pressão exportadora e o desequilíbrio no balanço de pagamentos em conta corrente instabilizam o mercado cambial.” Assim, mais um programa bem sucedido corre o risco de se romper porque a política de ajuste do balanço de pagamentos e as necessidades de financiamento do setor público são contraditórias.
No Brasil, desde a década de 70 (com os choques do petróleo e dos juros) observa-se a dificuldade de estabilização com a incompatibilidade com o ajuste no balanço de pagamentos (com ou sem absorção de recursos externos).
Nos anos 1980 com o fracasso das políticas de estabilização, que utilizaram a prefixação da taxa de câmbio em 1979 houve a perda de US$ 12 bilhões em reservas seguida de uma maxidesvalorização, que junto com a elevação do petróleo levou a taxa de inflação à 100% a.a. A crise de 1982 provocou um forte desequilíbrio no balanço de pagamentos e um ajuste recessivo, com nova maxidesvalorização em 1983. Durante esta década o país esteve ameaçado por duas crises e à beira de uma hiperinflação reprimida, em particular, depois dos fracassos dos Planos Cruzado e Verão, quando uma péssima negociação levou ao pagamento de US$ 25 bilhões nos dois anos seguintes e um aumento descomunal na dívida externa.
As políticas de estabilização do Brasil (ortodoxas e heterodoxas) foram tão contraditórias como a da maioria dos países da América Latina (com exceção do Chile depois de 1985). Não houve a presença de recursos externos a partir de 1983 e a especulação nos mercados de risco e a indexação financeira e cambial (formal e informal) levaram a inflação a taxas cada vez mais altas. (200% a.a. em média). A confiança dos agentes privados debilitou-se e a fragilidade financeira do setor público foi se agravando por sucessivos choques cambial, monetário e financeiro, que acompanharam cada plano. Os mark-ups defensivos e altos das empresas privadas passam a ser crescentemente guiados por expectativas altistas; a indexação salarial não funciona para recuperar os níveis anteriores de salários, mas realimenta, de todo modo, a espiral preços-salários e, finalmente, os efeitos da desvalorização cambial e altas taxas de juros, provocadas pelas restrições creditícia interna e externa, pioram a contas públicas, tanto do lado patrimonial quando do gasto corrente com o serviço da dívida.
Em 1990, Collor adota uma política drástica de redução da dívida interna de corte de gastos públicos e de aumento da receita fiscal produzindo um superávit operacional de 1,2% do PIB que reduziu-se pela metade em 1991 e desapareceu, dando lugar a um pequeno déficit, em 1992. O Plano Collor não conseguiu reduzir muito o déficit nominal, na verdade em menos de dois meses o Plano estava destruído em seus fundamentos internos, “uma vez que o mercado interbancário e os mercados de risco, em geral, reagiram de forma muito desfavorável ao bloqueio da dívida pública.
Nesses contexto, são disfuncionais as políticas monetária e cambial pseudo-ativas e a política fiscal restritiva para combater simultaneamente desequilíbrios fiscais e de balanço de pagamentos, e seus propósitos antiinflacionários são no mínimo duvidosos. “não por outra razão, as únicas experiências de sucesso de estabilização da América Latina devem-se a razões completamente alheias às políticas recomendadas pelo FMI, e todas contêm algum elemento de heterodoxia e implicam o fortalecimento político-econômico do Estado, contando, além disso, com forte absorção de recursos externos.”
O Brasil não pode retornar a uma especialização que destrua segmentos industriais completos e adaptar-se à divisão clássica internacional do trabalho. Sua especialização deve se dar em todos os segmentos de seu sistema produtivo e a modernização deve ser sistêmica, vale dizer melhorando as externalidades, os linkages interindustriais e a sinergia dos grupos empresariais de forma que lhe permita ganhar vantagens comparativas dinâmicas, tanto no agro-business como nos complexos eletrometalmecânicos. As praticas neoliberais são processos inelutáveis quando se pretende continuar inserido no mercado global, mas elas tem que ser acompanhadas de políticas industriais, tecnológicas e comerciais de novo estilo, que permitam mudar os mecanismos de proteção e incentivo às exportações, além de novas e mais eficientes políticas de produção e proteção social.
Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.

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