quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

RESENHA DO ARTIGO: PLANO REAL: DO SUCESSO AOS IMPASSES


BELLUZZO, Luiz G.; ALMEIDA, Júlio G. Plano Real: do sucesso aos impasses. Economia Aplicada, v.3, n. especial, 1999, p. 79-93.

O objetivo do trabalho foi observar os impasses após a implantação do Plano Real, este que, segundo os autores, não foi capaz de alterar as tendências básicas que prevaleceram na economia durante os anos 1980 e o início dos anos 1990: o crescimento, em declínio desde o início da década perdida, continuou sua trajetória no ciclo real, a qualidade do investimento industrial se deteriorou, a retração do investimento público e as privatizações fizeram declinar os gastos com infra-estrutura, prometendo gargalos sobretudo nas áreas estratégicas de energia e transporte. Por isso, cabe aqui sinalizar os pressupostos do plano, a natureza do financiamento externo, a âncora cambial,  a estabilidade de preços, o novo modelo de desenvolvimento, a inconsistência da política de câmbio e juros, o ciclo político, as crises externas e a sobrevida e crise do real.


O Plano Real seguiu o mesmo método utilizado pela maioria dos planos estabilizadores de preços do século XX: recuperação da confiança na moeda nacional _a âncora fora a estabilização da taxa de câmbio nominal financiada em moeda estrangeira e por um montante de reservas. Para isto, observam-se três requisitos necessários para entender como se deu “tão rápida” esta “desinflação”: 

i) a situação fiscal e de endividamento do setor público que se apoio na herança do período anterior, isto é, o ajuste fiscal e de endividamento público fora feito antes. Em 1993 as contas registravam superávit primário e operacional e a dívida líquida total e imobiliária nunca havia sido tão baixa; 
ii) em março de 1994 promoveu-se a conversão dos salários pela média e a criação de uma nova unidade de conta (URV) para onde seriam convertidos os salários, preços, contratos e também a taxa de câmbio, eliminando assim as “causas” da indexação; e 
iii) em julho de 1994 com a conversão da moeda antiga em URV para a nova unidade monetária, o real.


O sucesso do plano foi sustentado pelo uso intensivo da “âncora cambial”, com o país passando de “doador de poupança” nos anos 1980 para “receptor de recursos financeiros” graças a deflação de riqueza mobiliária e imobiliária nos mercados globalizados. A situação quase depressiva e a sobreliquidez dos mercados globalizados causadas por um período longo de taxas de juros muito baixas juntou a um quadro dos mercados emergentes de estoques de ações depreciados, governos fortemente endividados, empresas públicas privatizáveis, além de perspectivas de valorização da taxa de câmbio, da manutenção de taxa de juros elevadas e moeda forte mesmo depois da estabilização. 


Desse modo, os países da periferia foram capturados pelo processo de globalização executando seus programas de acordo com as normas dos mercados financeiros liberalizados. A regra era a criação de uma oferta de ativos atraentes que pudessem ser acampados (títulos da dívida curtos e de elevada liquidez, ações de empresas em processo de privatização, bônus e papéis comerciais de empresas e bancos de boa reputação, e após, ações depreciadas de empresas privadas) que prometem elevados ganhos de capital e prêmios de riscos em suas taxas de retorno. No entanto, é fácil observar que, a estabilização conquistada nessas condições coloca-se sob permanente ameaça de ruptura.


Entretanto, na visão dos empreendedores do plano havia um “desaparecimento” do risco de desvalorização cambial. E esta, por sua vez, integraria os mercado financeiro nacional e o internacional, melhorando (aos olhos dos investidores financeiros) a qualidade dos nossos ativos reprodutivos, e dentro de um prazo razoável a ação dos novos investimentos junto com a melhoria da eficiência imposta pela concorrência externa levaria à recuperação da balança comercial e a redução do déficit em transações correntes.


Nos primeiros meses do programa permitiu-se uma forte valorização da taxa de câmbio visando uma rápida convergência entre a inflação doméstica e a observada nos Estados Unidos, fato que ocorreu _ em dezembro de 1994 a inflação registrou menos de 1%. Para regular as expectativas o governo regulou uma taxa de juros que tinha como piso que resultava da agregação do componente cambial, da taxa de juros internacional (6% nos EUA), do spread de financiamento a tomadores do país, refletindo o “risco Brasil” (em torno de 5% em tempos normais), além de impostos, o que totalizava 22% a.a. aproximadamente.


Esta taxa também serviu para represar a poupança financeira e desestimular a procura de crédito por parte das famílias e empresas, além de conter a fuga de capitais diante de crises externas (como a do México em 1995, a asiática em 1997 e a russa em 1998) e ainda combater os ataques especulativos à moeda como nos fins de 1998 e início de 1999. Observa-se que a desinflação rápida, a abrupta sobrevalorização da moeda e as taxas de juros muito altas são componentes da estratégia da política econômica. 


Observando os fatos, vemos que o objetivo não era apenas a estabilização de preços, mas estávamos diante de um novo projeto de desenvolvimento liberal que supões a convergência relativamente rápida das estruturas produtivas e da produtividade da economia na direção dos padrões “competitivos e modernos” das economias avançadas. Estratégia esta associada às recomendações do consenso de Washington baseada em quatro pressupostos: 

1) estabilidade de preços _ criando condições para o cálculo econômico de longo prazo; 2) abertura comercial e a valorização cambial _forçando ganhos de produtividade; 3) privatizações e investimentos estrangeiros _ reduzindo custos e melhorando a eficiência; e 4) liberalização cambial _ atraindo poupança externa em escala suficiente para complementar o investimento e financiar o déficit em conta corrente.


Subitamente a economia brasileira teve uma redução drástica da proteção efetiva provocada pela redução de tarifas, forte sobrevalorização do câmbio e taxa de juros alta. Houve quem, diante desse contexto, previu uma recessão, mas isto não aconteceu. A queda do imposto inflacionário aumentou o poder de compra dos assalariados, houve uma rápida reabilitação do crédito (apesar das medidas de contenção e dos juros altos), houve queda de preços de alguns segmentos industriais. Fatores estes, entre outros, que impulsionaram a demanda nominal sem nenhum efeito sobre os preços dos bens transacionáveis.


Os autores observam que perdeu-se uma oportunidade de se reverter as políticas de câmbio e juros na “relativa” calmaria dos mercados financeiros após a crise do México, isso abriria espaço para que os déficits externos acomodassem um maior crescimento econômico e fossem contidos o desajuste fiscal e o crescimento da dívida pública. Em vez disso, redobrou-se a aposta no “ideário” da combinação câmbio-juros, à custa da manutenção de taxas de juros muito elevadas e déficit público e externo crescentes, lançando a economia numa trajetória de crescimento medíocre.


Este regime provocou disrupção das cadeias produtivas em vários setores da indústria (metalmecânica_ autopeças e bens de capital; eletroeletrônica e química) o que representa a eliminação de pontos de renda e emprego. Além disso, o modelo veio acompanhado de um crescimento bastante rápido do passivo externo da economia, além d interno. Ao contrário dos anos 1960-70 que financiou, direta e indiretamente, projetos destinados à substituir importações, a nova etapa de dependência financeira aumento consideravelmente a vulnerabilidade da economia a choques externos.


Outro problema criado pelo uso abusivo da âncora cambial  e dos juros elevados, do ponto de vista corrente e patrimonial, esta a transferência da renda e de riqueza em favor dos importadores _ se beneficiaram das importações subsidiadas, importações de insumos e bens de capital, produtores de não-tradeables e rentistas. Além de, consumidores de rendas média e alta, com importações de bens de consumo e acesso a serviços no exterior (turismo). O problema é que, a transferência de renda e riqueza deu-se contra a massa de salários, devido ao aumento do desemprego; contra os produtores de tradeables, devido a sobrevalorização cambial; e contra um amplo conjunto de devedores obrigados a contratarem dívidas a taxa de juros elevadíssimas. Cabe destacar as empresas nacionais obrigadas a arcar com as taxas de juros elevadas e o setor público, no seu endividamento interno. O setor público ainda foi obrigado a absorver dívidas e desajustes de outros agentes. É o caso do socorro aos bancos abatidos na crise bancária de 1995, por meio de um programa de salvamento o PROER  


Em suma o Plano Real redistribuiu a renda e a riqueza de forma desfavorável aos agentes que comandam o investimento e o gasto e inibiu a acumulação produtiva e a produção para exportação. Além de determinar um agravamento estrutural do desequilíbrio externo. Neste novo modelo de desenvolvimento amparado no binômio abertura e competitividade, dado o suposto da estabilidade inflacionária. As condições externas definiram as facilidades de financiamento em moeda estrangeira e as condições internas impuseram às finanças públicas os custos das políticas de juro e câmbio servindo a três rodadas do ciclo político: 

i) a eleição do governo em 1994; 
ii) a campanha de 1997 junto a emenda constitucional que permitiria a reeleição do presidente; e 
ii) campanha de 1998 para reeleição de FHC.


O Plano não foi capaz de alterar as tendências básicas que prevaleceram na economia durante os anos 1980 e início de 1990, além de ser acompanhada de uma ameaça recessiva estancada enquanto foi possível contar com as abundâncias de financiamento externo, com constrangimento das aberturas comerciais e financeiras. Mas as causas da instabilidade macroeconômica ainda não foram superadas, na realidade, foram agravadas.


A estabilização à cargo da sobreutilização da taxa de câmbio nominal e das taxas de juros elevadas pecam por não sublinhar a não-neutralidade desses instrumentos às contas públicas, de forma que demonstrar solidez fiscal e afastar suspeita de solvência do setor público se tornaram tarefas cada vez mais difíceis.


É equivocada a interpretação que “pelo lado” da estabilização o plano “caminhava bem” enquanto do “lado fiscal” (tido como independente) “caminhava mal”. O sucesso no programa de estabilização e o crescente desajuste fiscal caminhavam juntos e era face desta mesma moeda, o real. Como era de se esperar, a rápida acumulação de reservar culminou no crescimento acelerado da dívida pública, ampliando a fragilidade financeira em todas as esferas do governo. A carga tributária bruta passou de 22% em 1994 para um nível superior aos 30% do PIB em 1998 e o programa de privatizações ganhou amplas dimensões: a receita das vendas somou de 1991 a 1998 US$ 68,6 bilhões (telefonia US$ 28 bilhões; setor elétrico US$ 21,7 bilhões; siderurgia US$ 5,6 bilhões; mineração US$ 3,3 bilhões; petroquímica US$ 2,7 bilhões; ferrovias US$ 2,3 bilhões e setor financeiro US$ 1,3 bilhão. Para se ter uma comparação, após 1994, 90% do total equivalia à dívida pública em dezembro desse ano. 





Após a crise bancária de 1995 os bancos estrangeiros passaram a dominar 35% dos ativos bancários totais em 1998 (eram 9% em 1994). O PROER custou, segundo o FMI, 4% do PIB em custos diretos e 10% em custos indiretos. Além disso, podemos observar as intervenções de alto custo do BACEN no sistema bancário. A negociação em 1997 entre União e os estados procurou diluir em 30 anos os efeitos das taxas de juros muito altas sobre as dívidas estaduais, que por isso tiveram seus valores multiplicados. Se não fora essa negociação os principais estados teriam quebrado ainda no decorrer do primeiro mandato de FHC.


Quanto ao déficit público, no processo de pagamento da conta dos juros para sustentar a estabilidade do real o Brasil perderia nada menos que US$ 25 bilhões em reservas em 1998, dos quais 20 bilhões somente no mês de setembro de reservas, trajetória que só fora interrompida com a entrada da primeira parcela de financiamento negociado com o FMI (US$ 41,5 bilhões no total de parcelas do FMI, BID, BIRD, etc.) para assegurar a estabilidade do real. Nos dois meses seguintes à vigência do acordo a fuga de capitais atingiu US$ 15 bilhões. 50 bilhões de dólares em 1998 foi o valor, em termos líquidos, que deixou Brasil ante a iminente queda do real. Fato que não mais se explica pela lógica da política econômica, encontra explicação na esfera política (o do terceiro ciclo político, a reeleição de FHC) O custo da sobrevida da política econômica em 1998 é extraordinário.


Após a liberação do câmbio ocorrida em janeiro de 1999 os custos internos se tornaram maiores e a predisposição do sistema internacional e o FMI menor. A alteração do câmbio resultou em expressiva transferência de renda em favor dos produtores de tradeables, na mesma medida da perda para os “importadores” e devedores líquidos em moeda estrangeira. Outro perdedor foi o setor público, principalmente devido ao encarecimento da dívida pública indexada ao dólar, os quais em parte foram compensados por elevação da carga tributária e pelo rebaixamento dos salários, devido à inflação.

 Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.



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