BACHA, E. L. O Plano Real: uma avaliação. In: MERCADANTE, A. (Org.). O Brasil Pós-Real: a política econômica em debate. Campinas, SP: IE/UNICAMP, 1998.
O artigo descreve analiticamente o programa de reforma monetária que culminou numa estabilização subida preanunciada, precedida por uma fase de indexação plena, introduzida sem congelamento de preços, confisco de ativos financeiros ou recessão, e acompanhada de política cambial e monetária flexíveis.
No que se refere ao contexto político/econômico, este se dá no Governo Itamar Franco em 1993 quando em maio/98 FHC assume a fazenda sob uma inflação de 30% a.m. numa trajetória ascendente lenta, mais persistente. FHC monta sua equipe e apresenta o Programa de Ação Imediata colocando como causas fundamentais da inflação o desequilíbrio do setor público e o problema do déficit operacional (inclui os pagamento de juros nominais sobre a dívida) e o déficit nominal (inclui apenas os pagamentos de juros reais, isto é, corrigidos pela inflação) _ em 1993, quando a inflação estava 2490% a.a. o orçamento operacional apresentava superávit de 0,25% do PIB, enquanto nominalmente o déficit era de 58,4% do PIB. Destarte, sinalizavam que o déficit orçamentário era um problema monetário e não fiscal.
Com o controle do déficit orçamentário a oferta monetária ampla deixaria de crescer. Para lidar com esse circulo vicioso (inflação e oferta monetária ampla) poder-se-ia contemplar três estratégias:
i) congelamento de preços e salários como em 1986 (essa idéia repugnava os membros da equipe);
ii) prefixar a taxa de câmbio, tarifas públicas e os preços de oligopólios do setor privado de acordo com uma trajetória declinante (como no plano de estabilização de Delfim Neto em 1980, que fracassou); ou iii) adotar um amplo programa de reforma monetária.
Como já se sabe, escolheu-se, em set/1993 a terceira alternativa, sob a influência, também, do Consenso de Washington (sob os aspectos cambiais, fiscais e de liberação comercial e financeira) havendo assim, a partir dai, uma “dolarização indireta”, pois entre as impossibilidade da “direta” estava a inflexibilidade das mudanças nos contratos.
Desse modo, envolviam-se nesta nova estratégia três estágios:
a) Equilíbrio orçamentário _ Criação do Fundo Social de Emergência (FSE) para resolver o problema das contas públicas, desvincular receitas destinando-as às necessidades prioritárias flexibilizando, deste modo, as contas com a finalidade de proporcionar recursos para o governo no âmbito fiscal (sem precisar das receitas geradas pela inflação _ pois esta gerava um montante considerável de recursos adicionais por meio do imposto inflacionário);
b) introdução de uma nova unidade de conta estável _ cria-se em mar/1994 a URV, aproximadamente em paridade com o dólar, com os contratos sendo redenominados nessa nova unidade. O principal intento dessa etapa foi o alinhamento dos preços relativos mais importantes da economia. É interessante observar que a duração do período de vigência da URV deveria ser encurtada para maximizar a boa vontade dos assalariados e evitar o risco de uma hiperinflação, levando-se em consideração as expectativas adaptativas dos assalariados, pois num segundo tempo a insatisfação se daria, pois, como os salários eram recebidos em cruzeiros reais, eles seriam corroídos pela inflação diária que continuaria a ocorrer.
c) conversão da URV no Real _ isto se dá em julho de 1994 com as seguintes finalidades: i) desindexação de preços e salários precedida de desindexação plena; ii) estabilização súbita sem congelamento, sem confisco de ativos, sem recessão e com política cambial e monetária flexíveis. Isto se dá a partir de: a) juros elevados; b) paridade com o dólar; c) preços relativos alinhados; d) quantidade de moeda controlada e sob fiscalização; e) depósitos compulsórios elevados; f) saldo apreciável em reservas internacionais e contas públicas.
Ocorreu uma aceleração significativa da atividade econômica a partir de julho de 1994, apesar do equilíbrio do orçamento federal e da prática de juros altos. As razões que explicam esse fenômeno são:
i) o fim do imposto inflacionário de 2 a 3% do PIB aumentado assim o poder de compra;
ii) o aumento da demanda por conta da perda da atratividade da poupança financeira, proporcionando especialmente um aumento no consumo dos bens duráveis;
iii) a estabilidade da renda real, deste modo o aumento do consumo fora favorecido pela queda da incerteza que tendia a induzir à poupança como medida preventiva;
iv) a incerteza quanto à estabilidade dos preços e da taxa de câmbio que proporcionava uma antecipação das despesas em consumo e investimento; e
v) a melhora na avaliação de crédito induzindo a uma ruptura abrupta das restrições que antes limitavam a concessão de crédito. O governo, por sua vez, reagiu apertando o crédito e diminuindo as barreiras às importações, pois no fim de 1994 já havia o risco de superaquecimento, o que era um grande desafio para o Plano Real.
Em 1995 com FHC na Presidência da República, o plano já é enaltecido como sucesso incontestável. Neste comenos, observa-se a queda abrupta da inflação de 45% a.m. para 1 a 2% a.m.; aumento expressivo no poder de compra; aumento no crédito para os assalariados (150%), tanto um como o outro causando pressões na demanda agregada; forte apreciação cambial _ o que fortaleceu ainda mais a decisão de acelerar o ritmo da abertura comercial, como meio de evitar inflação das pressões de custo e de demanda que se manifestavam; maior utilização da capacidade industrial e deteriorização da balança comercial.
Foi nesse contexto de forte alteração de preços relativos e da relação entre demanda e produção, que o Brasil foi golpeado pelo efeito da Crise Mexicana que causou substancial influxo dos recursos internacionais dando inicio a uma “segunda fase do plano” entre 1995/96, por conta disso houve uma série de medidas de política econômica para reagir aos desequilíbrios identificados:
a) elevação substancial da taxa de juros; e
b) imposição adicionais à expansão creditícia _ fato que paralisou a economia e reduziu o nível de atividade econômica;
Simultaneamente a esse arroxo monetário, em março de 1995 o governo promove uma desvalorização de 5% do real em relação ao dólar e decretou uma aguda elevação de 20 para 70% das tarifas de importação de automóveis e eletrodomésticos _via o substancial risco de desindustrialização da economia segundo Sallum (2000).
Voltando ao assunto do aperto creditício, este apareceu em pelo menos três áreas: a atividade economia, a fragilidade financeira e o déficit do setor público. Esta desaceleração da atividade econômica na metade de 1995, acompanhada de persistente elevação da taxa de juros e do aumento das taxas de salário, agravaram a situação financeira das firmas que haviam se endividado durante a expansão econômica do último ano _ a agricultura e a produção de equipamentos agrícolas fora particularmente afetados, já que os preços dos alimentos sofreram uma pressão para baixo, consequência da supersafra em 1995. A apreciação do real e o aprofundamento do processo de liberalização comercial trouxe dificuldades para as firmas mais frágeis dos setores mais diretamente afetados pela competição internacional: bens de capital, autopeças, brinquedos, couro e vestuário, têxteis. Consequentemente o volume de atrasados creditícios e de falências cresceu significativamente.
A fragilidade de uma parte do sistema financeiro ficou evidente quando o BACEN, para interromper uma corrida às agências, foi forçado a fechar o Banco Econômico (sétimo maior banco privado do país). A partir desse momento foi tomada a decisão tardia de instituir um programa de reestruturação do setor bancário privado (PROER) implicando na transferência para o governo federal dos créditos duvidosos dos bancos em dificuldade. O que garantiu uma certa tranquilidade ao sistema financeiro.
Apesar do sucesso espetacular nos seis primeiros meses parece claro que a economia encontrava-se numa rota insustentável quando o país foi golpeado pela crise mexicana, em termos de desequilíbrios crescentes entre demanda e produção, e salário e preços. Tendo como principais causas: a indexação salarial, o déficit do setor público, a apreciação da taxa de câmbio e a expansão do crédito para o setor privado. O crescimento de grandes déficits comerciais desde set/1996 indicava que o mix de políticas mostrava-se incapaz de garantir simultaneamente a estabilidade de preços, o crescimento sustentado do PIB e o equilíbrio externo.
Concluindo, visualizando no início de 1997 as perspectivas a curto prazo da economia brasileira são bastantes satisfatórias: inflação com um dígito, crescimento superior a 4%. Entretanto, o déficit comercial ainda cresce e o déficit de transações correntes chega a aproximar-se de 4% do PIB. Há um crescimento da formação de capital fixo na ordem de 19% o que era claramente insuficiente para sustentar uma taxas de crescimento do PIB de 5 a 6% como planejava o governo. O remate final é que o plano foi bem sucedido em baixar e em manter baixa as taxas de inflação e não foi bem sucedido em produzir uma tendência econômica na qual o controle inflacionário é compatível com o crescimento econômico sustentado e um razoável equilíbrio externo. Nesse interim, as principais tarefas adiante, no contexto de 1997 eram a elevação da taxa de poupança doméstica e a promoção do crescimento exportador. Para isso os ingredientes essenciais são reformas do setor público e da seguridade social, a privatização dos serviços de infraestrutura, e os ganhos de produtividade derivados da crescente abertura da economia. Assim que as reformas econômicas progredirem, as taxas de juros internas devem atingir níveis comparáveis aos internacionais.
Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.

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