segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

RESENHA DO ARTIGO: O PLANO REAL E A ARMADILHA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO.

DELFIM NETTO, A. (co-autor). O Plano Real e a armadilha do crescimento econômico. Campinas, SP: IE/UNICAMP, 1997.



Este artigo descreve a reflexão de Delfim Netto sobre a “armadilha do crescimento” instaurada com a política do Plano Real, argumentando que o processo desenvolvido e divulgado é puramente ideológico e que o Brasil deve libertar-se dessa ideologia e observar seus problemas reais ao invés de se entregar num processo de globalização no qual será um mero coadjuvante sem importância.


Na introdução o autor faz um paralelo sobre dois grandes planos de estabilização: o realizado no período 1964/67 sob a batuta dos professores Otávio Bulhões e Roberto Campos que se iniciou com uma âncora monetária sólida, equilíbrio orçamentário, modificações na estrutura da administração pública, controle do sistema de preços, eliminação das distorções tributárias e liberação das forças de mercado. Houve, neste caso, um choque inicial de recessão enquanto persistiam as expectativas inflacionárias. Reduziu-se dramaticamente a taxa de crescimento da oferta monetária, sem mexer no salário nominal de começo até que as expectativas dos agentes com o programa sejam de aceitação, só ai o salário nominal vai se ajustar com o crescimento dos preços, às novas expectativas inflacionárias e a economia vai saindo lentamente da recessão. Desse modo, houve um crescimento acima de 10% a.a. e a inflação caiu para 15% a.a.; a distribuição de renda melhorou e criaram-se 12 milhões de novos empregos. 


Examinando o segundo plano: o Plano Real, a opção inicial foi sobre o câmbio, congelando-o. Simulando uma hiperinflação, sem tê-la, trazendo os preços relativos na posição correta e estabilizando a distribuição de renda. Para o autor, o que faz o plano diferente de outros depois da primeira guerra e algumas outras inflações é a criação da URV, e esta é a média de três índices criando uma “nova moeda” que autocorrige, como aquelas que tinham aparecido nas hiperinflações na Europa. Isso nunca havia acontecido no Brasil porque os trabalhadores se recusavam a congelar os salários pela média, mas com a URV, “que era uma coisa meio mística e que tinha certa graça”, foi geral a aceitação. A grande vantagem é que não se congelaram os preços, permitindo que a oferta e a demanda alinhassem os preços em torno daquela tendência e o salário real estava congelado em URV. Quando foi feita a conversão para a nova moeda: o real, os preços vieram abaixo instantaneamente. Não havendo corrida ao mercado financeiro, não vou falta de produto, não houve nada. “[...] aquele grupo que não tinha condições de ter moeda indexada e que paga um imposto inflacionário grande para o governo e para os bancos, recupera esse imposto e tem um aumento de renda, principalmente nos níveis de renda mais baixa [...]”, o sistema de crédito é reconstruído com a estabilidade. Vinte e poucos meses após já poder-se-ia comemorar uma inflação em torno de 10% a.a.; o que os brasileiros não viam pelo menos há 40 anos. Este foi um plano brilhante porque foi muito bem concebido e muito bem executado.


A maior dificuldade é de cumprir o que se prometeu com o plano: acertar o problema fiscal, eliminar as distorções da intermediação financeira, aperfeiçoar o Estado, reduzir o “custo Brasil”. O primeiro problema de desvalorizar o câmbio é que o país começa a sacar sobre o exterior para financiar o déficit do governo com o déficit em contas-correntes, algo que é insustentável. Desse modo é obrigatório fazer um constrangimento do processo produtivo: se o produto cresce rapidamente, as importações crescem rapidamente, então não há suporte para crescimento via exportações, porque estas estão constrangidas pelo câmbio real valorizado. Ai se o objetivo fundamental é a estabilidade, a escolha e reduzir o ritmo de crescimento via restrição de crédito e pela sustentação de juros altos. É por esse meio que constrói-se a armadilha que impede o crescimento da economia, entrando num processo que se chama stop and go.
 

Esse sistema desequilibra o processo produtivo. As taxas são mantidas altas para atrair capital externo que, por sua vez, financia o déficit em conta corrente e, também, acumula reservas. Não é para “controlar o consumo” como o próprio governo disse! Algo também que não bate é a esperança do governo em “aumentar as exportações sem mexer no câmbio”. Toda corrida para reduzir o “custo Brasil”, reduzir os impostos na exportação, é para eliminar a restrição externa _ armadilha que foi criada pelo próprio mecanismo de estabilização. A possibilidade de crescimento gira em torno de 2,5 a 3% a.a., nível insuficiente para o Brasil: a oferta de mão-de-obra cresce 2,5% e a produtividade 3%. Dessa forma, se o produto não crescer 5,5% a 6%, o estoque de desempregados vai continuar crescendo. Ora, se um crescimento a 6% produz uma condição instável no balanço em contas-correntes a única saída é exportar, não bastando para isso apenas mexer nos preços internos ou “reduzir o custo Brasil.” Vejam bem, se melhoramos as condições portuárias, por exemplos, reduzimos o “custo Brasil” das exportações mas, também das importações, de forma que a relação dos produtos tradables e non-tradables fica a mesma e isso não vai eliminar o desequilíbrio, e não estimulará o aparecimento do saldo. “Sem uma robusta expansão das exportações, vamos continuar presos na armadilha que impede o crescimento.” Sem isso não poderemos aproveitar os fatores disponíveis: mão-de-obra que foi desempregada, máquinas paradas, talento empresarial, etc.


Este constrangimento sobre o crescimento econômico também deriva da ausência de investimento em infra-estrutura. “Há 12 anos, praticamente, não se investe na infra-estrutura rodoviária, ferroviária, de energia, etc. Os investimentos terminaram todos em 1984 e 1985.” Hoje temos restrições de toda natureza. Toda despesa antes empregada em investimento está dissipada com pessoal e no custo da dívida pública. O gasto de 1995 em juros foi de R$23 a R$24 bilhões, em 1996 algo em torno de R$ 38 bilhões. Números que representam 4% do PIB _ com algo como R$6 bilhões, o Ministério da Saúde diz que sustenta todos os programas de amparo à velhice, aos aposentados e à infância pobre do Brasil. Com R$ 3 bilhões, o Ministério do Transporte garante que conserta todas as rodovias esburacadas. Com R$ 4 bilhões a ELETROBRÁS teria posto em marcha todas as suas usinas. “Nós dissipamos em juros tudo aquilo que antes era investimento”. O governo autoritário nas três esferas tinha um gasto de, aproximadamente, 8% do PIB, em 1996 dissipou-se com salários e custeio 17% do PIB, que é substancialmente maior que o PIB que existia em 1984.


A economia entra na armadilha do não crescimento por conta do câmbio de desestimulou as exportações, porque eliminou a poupança pública, e porque tem dificuldades íncitas representadas pela expansão dramática das despesas públicas, incluindo os juros.  Estamos diante de um dilema: ou aumentamos as exportações, ou continuamos no stop and go com o produto crescendo 3% a.a., no máximo, e acumularemos cada vez mais problemas com o desemprego. As vezes há uma sensação que melhorou a situação, mas os indicadores mostram que simplesmente deixamos de piorar. Os economistas e a própria sociedade brasileira estão enganados por uma espécie de ideologia em que a especulação financeira é soberana. Temos que reagir a idéia que o simples funcionamento do mercado vai criar as condições necessárias para o desenvolvimento econômico.






Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.

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