quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

RESENHA DO ARTIGO: UM OLHAR SOBRE A POLÍTICA FISCAL RECENTE


LOPREATO, F.L.C. “Um olhar sobre a política fiscal recente”. Textos para discussão, IE/UNICAMP, n. 111, dez. 2002.

  
O objetivo do trabalho foi observar os pressupostos utilizados para justificar o controle do déficit público como núcleo central da política econômica, revendo o contexto da política fiscal na política macroeconômica recente e destacar o papel subordinado que ocupou nas inter-relações com as políticas monetárias e cambiais. Desse modo, colocou-se em questão o sentido da causalidade estabelecida na visão tradicional que cabe ao déficit público a responsabilidade da inflação, da expansão do déficit externo e da taxa de juros. Portanto, o autor remete as questões pertinentes ao caso, os dilemas, desafios e alternativas para a política macroeconômica brasileira neste artigo.


A queda da inflação teve origem no controle do déficit público? Não. O sucesso está diretamente vinculado à tomada de liquidez internacional nos anos 1990 e a ruptura do círculo vicioso entre políticas cambial, fiscal e monetária que se estabeleceu em decorrência da obrigatoriedade da sustentação de transferências de recursos reais para o exterior. A idéia relativa à questão provém da visão dominante nos livros-textos que mostra que a causa fundamental do processo inflacionário é a expansão da oferta de moeda. A explicação usual para isto é a existência de déficits orçamentários, isto é, o governo financia o déficit via expansão monetária através da senhoriagem. Sendo que isto poderia/poderá ser combatido através de uma reforma fiscal e o compromisso do BACEN em não monetizar o déficit público. 

Mas se o déficit público não estava na raiz do processo inflacionário, o que explicaria a queda da inflação a partir de 1994 com o Plano Real? A tese aqui é que esta se viabilizou com a retomada da liquidez do mercado financeiro internacional e à possibilidade de financiamento do balanço de pagamentos sem a obrigatoriedade de manter o valor da taxa de câmbio real e gerar megassaldos comerciais. A liquidez internacional permitiu fixar um dos elos da correia de transmissão dos preços e redesenhar a articulação entre os instrumentos de política econômica. A redução do grau de incerteza sobre o comportamento dos preços básicos da economia interferiu na expectativa de formação de preços e os agentes deixaram de formar seus preços a partir da expectativa de quanto seria o repasse necessário para garantir a reposição dos estoques.
  
Outra verdade estabelecida pela visão tradicional é a relação causal entre déficit público e déficit externo, apesar de não se verificar empiricamente com freqüência. Este princípio é questionável. Não há dúvida de que o aumento do gasto público é fator de expansão da absorção interna. Porém, não é trivial concluir que isso vai ser refletir em déficit comercial e muito menos determinar sua magnitude. E, também, a relação do déficit público com os juros _“o valor dos juros decorre do déficit público do setor público e sua redução depende do ajuste fiscal, levando em conta o regime cambial e as condições de mobilidade de capital e do “risco país”. Desse modo o ajuste fiscal colocou-se como peça central da política econômica.
Após três décadas de crescimento acelerado o Brasil viveu nos anos 1980 uma fase de crise econômica e aceleração inflacionária. A visão tradicional viu déficit público como causa da inflação e defendeu a teses de que a estabilização só seria possível com o ajusto do setor público. Uma visão alternativa é mostrar que a inflação pouco teve a ver com o valor do déficit público, sendo o elemento crucial do descontrole inflacionário a ruptura das condições de financiamento externo e suas conseqüências sobre o plano interno. Essa restrição atingiu praticamente todas as economias da América Latina e provocou os mesmos resultados inflacionário, independente das especificidades nacionais.
O colapso do financiamento externo forçou a geração de megassuperávits comerciais e elevou a necessidade de financiamento do setor para cobrir seu passivo externo. As condições particulares para sanar tal prejuízo foram: a desvalorização cambial que, por sua vez, ampliava os encargos financeiros dos passivos denominados em dólar e ampliava a crise fiscal e impunha estreitos limites ao controle da política monetária, pois sem recursos exigidos no pagamento do passivo externo o setor público dependia da colocação de títulos e da expansão da base monetária. Nessas condições, a expectativa em relação aos dois preços básicos da economia, câmbio e juros, orientava a dinâmica dos preços. “A fixação deles balizava os demais preços e impunha o patamar da inflação. Assim a inflação não dependia do valor do déficit público, mas das condições de determinação dos dois preços básicos naquele momento específico.”
O uso da âncora cambial estava fadado ao fracasso diste do risco de uma crise no balanço de pagamentos. Essa expectativa, que colocava em dúvida os pagamentos externos, resultava na perda da confiança na moeda nacional como instrumento de avaliação de riqueza, ampliando o risco de fuga da moeda para ativos em dólar. O poder do BACEN era limitado e a saída era elevar a taxa de juros para manter a atratividade da moeda indexada e evitar o colapso do padrão monetário nacional, o que, por sua vez, não tinha efeito sobre a atração de capitais, apenas alimentava o estoque de moeda indexada e a inflação. O aumento dos juros sinalizava um novo patamar de riqueza e induzia a reajuste de preços compatíveis com essa expectativa, que por sua vez, pressionava o câmbio para novas desvalorizações. Por outro lado, a reestruturação das condições de financiamento do setor público esbarrava na perda da autonomia da política fiscal.
As medidas de contenção de gastos e restrição ao crédito de Maílson da Nóbrega no fim do governo Sarney tinham pouca serventia como estratégia de estabilização. O plano Collor trouxe novas propostas de controle de déficit e de combate à inflação com um diagnóstico que apontava a fragilidade financeira do setor público e a excessiva liquidez monetária como causas do processo inflacionário. Este plano bloqueou o estoque de M­4 e obteve superávit fiscal capaz de conter a alimentação da liquidez monetária, a retenção do estoque de ativos e a desvalorização da riqueza financeira reduziram o custo de rolagem da dívida pública e abriu caminho para controle do déficit. A adoção de medidas de caráter fiscal propiciaram  o aumento da arrecadação e a reversão do déficit. Entretanto, a deterioração do saldo comercial e o impasse da renegociação da dívida externa colocaram em xeque o balanço de pagamentos.
Tais condições exigiam acomodar os custos das políticas de câmbio e de juros e conter eventuais riscos de default na dívida pública que pudessem levar à fuga de capitais e ameaçara estabilidade do câmbio. Assim, após 1994, criou-se a obrigação de manter as contas públicas em condições de transferir renda aos capitais responsáveis pelo seu financiamento através de títulos com juros reais elevados e proteção diante da incerteza do câmbio. O primeiro suporte para isso é, o suporte fiscal dado pelo superávit primário (5,21% do PIB em 1994) e o segundo foi o espaço para crescimento da dívida herdado pelo governo FHC do governo anterior.       

A liquidez do mercado internacional e as oportunidades de investimento no mercado brasileiro permitiram, por um tempo,  abrir mão de um desses pilares (observa-se a deterioração dos saldos primários) sem colocar em xeque o câmbio ou a sustentabilidade das contas públicas, mas  a partir da crise da Ásia a situação alterou-se e fora preciso elevar o superávit primário para diluir os risco de inadimplência da dívida e preservar o espaço de valorização do capital privado. O que, por sua vez, tornou-se a variável de ajuste na equação financeira. 

Os limites dessa estratégia são evidentes: Os fatores de impulsão do crescimento da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) são dependentes das condições internacionais e são de difícil controle; a incerteza quanto ao comportamento do câmbio e dos juros torna instável a trajetória da dívida e aprisiona as metas fiscais. Por isso, a âncora cambial embora necessária não era suficiente, era preciso sustentar a credibilidade do preço de referência (câmbio) oferecendo garantias aos capitais dispostos a financiar o desequilíbrio externo. Isto, por sua vez, dependia da oferta de um rol de ativos de rentabilidade elevada e de prêmios de risco em suas taxas de retorno: as privatizações, a abertura do mercado bancário, o favorecimento às fusões etc.

Na retórica oficial o acesso ao mercado externo conteria as pressões de demanda e a inflação ao passo que o déficit em transações correntes daria a poupança necessária a alavancagem dos investimentos internos. Porém, na interpretação, adotada aqui a política cambial e as decisões de ordem instituicional (juros, tributação, política de comércio exterior, etc.) foram os fatores determinantes do aumento da necessidade líquida de financiamento externo.
Queda do consumo e dos investimentos, menor ritmo de crescimento e aumento do desemprego são as armadilhas relacionadas à política cambial. A retórica da reforma tributária foi abandonada e o foco de atenção passou a ser  o aumento da tributação (1991/1993 25,6% do PIB; 1994, 29%; 32,15% em 1999 e 33,18 do PIB em 2000). A DLST teve, também, uma expansão marcante ao longo do plano: (pulando de 28,5% do PIB em 1994 para 53,3 em 2001). A dívida mobiliária mais do que dobrou em relação ao PIB neste mesmo período. Os gastos com juros foram determinantes no crescimento dessas dívidas (12,25% do PIB no triênio para um patamar acima de 7% no biênio 1998/99. Outros fatores da evolução da DLSP foram: as privatizações (ativos usados na captação de recursos externos e elemento patrimonial empregado no pagamento da dívida pública), reconhecimento dos passivos públicos (esqueletos), o programa de renegociação das dívidas dos estados e dos municípios e a reestruturação do sistema bancário público e privado.
As dificuldades de sustentar as contas públicas como espaço de valorização do capital privado e de garantir os recursos exigidos no financiamento revela o impasse da política macroeconômica. Sendo preciso atacar a vulnerabilidade externa e reduzir os juros, de modo a afastar a ameaça de instabilidade das contas públicas. Isso recoloca o impasse: como abrir mão da política fiscal altamente contracionista? O desafio aqui é romper a obrigação de aprofundar a restrição fiscal e buscar formas de elevar a taxa de crescimento da economia. A alternativa é superar a vulnerabilidade externa com uma política agressiva de comércio exterior, capaz de definir novas condições de articulação das políticas cambial, monetária e fiscal.
                       
Leandro Moreira da LUz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.

           

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