domingo, 30 de dezembro de 2012

RESENHA DO ARTIGO: AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL BRASILEIRO.


Mendonça de Barros, José R.; Goldenstein, Lídia: "Avaliação do processo de Reestruturação Industrial Brasileiro", Revista de Economia Política, vol.17, n.2. 1997

                        O Objetivo do presente artigo é demonstrar que talvez pela dificuldade de compreensão do processo, talvez pela falta de informações, a magnitude das transformações pelas quais vem passando a economia brasileira não tem recebido a merecida atenção.
                        Estamos passando, simultaneamente por quatro diferentes processos: globalização, abertura, estabilização e privatização, que interagindo, têm provocado uma verdadeira revolução no funcionamento da economia brasileira. Neste contexto, a estrutura básica do capitalismo brasileiro, baseado no tripé: estatais, empresas nacionais e empresas estrangeiras estão com os dias contados. A globalização, aqui entendida como revolução tecnológica, financeira e comercial impõe a abertura comercial. A privatização tira de cena, ou reduz em muito, o papel das empresas estatais. Enquanto que a abertura da economia, que é a condição sine qua non para a estabilização, impacta de maneira brutal nas industrias aqui instaladas (nacionais ou estrangeiras), acostumadas a terem reservas de mercado, pela primeira vez, estão sendo obrigadas a pensar em redução de custos, aumentos da produtividade e introdução de novas tecnologias.
                        Com a abertura houve um transferência de renda ao consumidor corresponde às tarifas de deixaram de ser pagas ao governo, e à quase renda (sobre-preço) que os empresários obtinham com a reserva de mercado, além disso houve os ganhos de eficiência, inclusive pela escala. Este impacto da transferência provocado pela redução das margens de lucro das empresas e redução dos preços relativos dos bens-salários tem sido subestimado ou até ignorado. Dada a concentração de renda brasileira e a demanda reprimida da população, uma transferência de renda desse porte afeta positivamente as decisões de investimento das empresas, não só as aqui instaladas, mas importantes empresas internacionais que passaram a olhar o mercado brasileiro com outros olhos.
                        A estabilização trouxe, por sua vez, a contribuição para a ampliação do mercado, não só pelo impacto nos extratos mais baixos da renda, mas pelo impacto sobre o crédito. Esta, somada ao sucesso de consolidação do MERCOSUL, criaram um mercado de tal monta que foi capaz de reverter positivamente as decisões de investimento das empresas nacionais e estrangeiras, em diferentes setores da economia. Os investimentos tem vindo tanto para a compra das tradicionais empresas familiares nacionais como para novas plantas e setores.
                        Com relação às empresas nacionais, a globalização impõe certo nível de produtividade, de tecnologia e de escala de produção impossíveis de serem alcançadas por estas, sendo que o interesse das multinacionais em comprar empresas desses setores aqui instaladas é o de conquistar mais rapidamente um mercado em expansão. Obviamente, esta absorção de empresas nacionais leva, em uma segunda etapa, a novos investimentos.
                        No que se refere aos investimentos estrangeiros o processo é menos óbvio e tem dado margem a grandes equívocos. O mercado brasileiro, somado ao MERCOSUL, passou a ter um tamanho que mais que justifica intenções de investimento e as decisões propriamente ditas. No entanto, existe um caminho que passar primeiramente pelas importações. Primeiro as empresas estrangeiras testam o mercado e a aceitação de seus produtos criando uma rede de distribuição e assistência técnica e só em uma segunda etapa iniciam seus investimento. Nessa fase, continuam importando os produtos finais e começam importar algumas máquinas e equipamentos necessários para a instalação da nova indústria no país. É só numa terceira fase que esta indústria reduzirá seu nível de importações e, dependendo do setor, poderá inclusive tornar-se exportadora.
                        Em relação aos investimentos das indústrias nacionais, as dificuldades de se avaliar o processo não são menores. Além da falta de informação, existe a visão bastante negativa de que os setores e segmentos que não tem conseguido acompanhar o atual processo tem transmitido para a sociedade. É fundamental separar os problemas decorrentes de questões conjunturais (elevadas taxas de juros) das dificuldades mais profundas decorrentes da incapacidade de se ajustar a uma economia aberta. Outro fator é o fato que os novos investimentos estarem se dirigindo para outros eixos que não São Paulo, onde tradicionalmente se localizavam os setores mais importantes da indústria brasileira.
                        Não se pode negar que para muitas indústrias o processo tem sido doloroso se não fatal, entretanto não se pode negar que aqui também uma verdadeira revolução vem ocorrendo. A tradicional empresa familiar está morrendo, no entanto, aquelas que perceberam o processo em tempo e mudaram sua mentalidade procuraram parceiros internacionais e/ou fundiram-se com outras nacionais, ampliando seu porte e ganhando competitividade sobreviverão.
                        Desse modo o processo de redução do “custo Brasil”, investimentos em importantes trechos da Rede Ferroviária Federal, através da privatização vem em franco avanço. As principais críticas que vem sendo feitas é que o Plano Real condenaria o Brasil a continuar com baixas taxas de crescimento, porque a âncora cambial, em que este é apoiado incentivaria quedas substanciais de nossas exportações e incentivaria as importações. Consequentemente, qualquer aceleração das taxas de crescimento, por mínima que fosse, resultaria em movimentos das importações que não poderiam ser financiados pelas exportações.
Mais ainda, a necessidade de financiar as importações que estariam estimuladas pela valorização cambial nos obrigaria a manter elevadas taxas de juros como forma de atração do capital estrangeiro, o que contribuiria para a manutenção de baixos patamares de crescimento. Apesar da coerência dos argumentos, esta crítica tem uma falha básica, pois parte do suporto de que tudo o mais na economia está constante.
                        Como todo processo não-linear, o processo de reestruturação porque passa a economia brasileira é de difícil avaliação, principalmente pela heterogeneidade de situações que tem ocorrido entre e intra os diferentes setores da economia.
                        Numa primeira avaliação através de informações secundárias e entrevistas, se traçou o perfil de alguns setores. Sendo que as primeiras conclusões confirmam que o processo de reestruturação está levando a um “círculo virtuoso”, que caso não seja interrompido garantirá seu dinamismo e o retorno a elevadas taxas de crescimento:

i)                    Setor automobilístico _ Montadoras: Investimento bastante atrativo pela ampliação do mercado; Crítica à “proteção” – com ela novos investidores não poderiam “testar o mercado”; Crítica à “proteção” – com ela novos investidores não poderiam “testar o mercado”; Empresas se modernizando, introduzindo “novas plantas” – “Passamos da idade média de design de 12 anos para algo em torno de 7”; Mudança geográfica – não estão mais concentrados na região do ABC Paulista. _Autopeças: Profundo processo de reestruturação – “[...] quem não tiver tecnologia, escala e um parceiro internacional não sobreviverá [..]”;Compras, fusões, associações e joint-ventures; Metal leve foi comprada pela Cofap que já havia sido comprada quase integralmente pelo Bradesco e por uma multinacional, formando uma empresa de grande porte para manter-se competitiva internacionalmente; Escala e marketing internacionais.
ii)                  Eletroeletrônica de Consumo: Ilustra mais cabalmente a abertura e a estabilização na ampliação do mercado e modernização; Redução no custo de produção e, conseqüentemente, no preço; Em 1996 cresceu 33,62% em relação à 1995 e 109,83% sobre os primeiros seis meses de 1994; (linha branca, imagem e som e portáteis).
iii)                Setor Têxtil : Fiação – quatro grandes empresas internacionalizadas _ Parque de máquinas é velho mas está acontecendo a renovação deste _ permitindo reduções de preços e aumentos da produção; Tecelagem – Poucas empresas competitivas internacionalmente e bastantes empresas atrasadas tecnologicamente; Confecção – muito heterogêneo: 80% de pequenas empresas, 15 de médias e apenas 5% de grandes empresas _ com raras exceções o setor é pouco moderno, com baixa produtividade. Calçados – Não há preocupação com modelagem, marketing, qualidade e não há canais de distribuição no exterior. No entanto, há “sinais”  de que a industria calçadista está reagindo.
iv)                Alimentos: Beneficiou-e enormemente com a estabilização; Aumentou 12% nos últimos 2 anos; Os importados representam apenas 3% do mercado; A venda nas feiras cresceu 43% no último ano (1995); Ocorrência de inúmeras fusões e aquisições e vinda de várias empresas estrangeiras: A Fleischmann Royal/Nabisco vem comprando várias empresas e a Danone comprou parte da Triunfo e a Aymoré (empresa de biscoitos). A Nestlé, preocupada com a perda de mercado para o Kinder Ovo (Ferrero Spa), foi obrigada a investir em produto semelhante
v)                  Farmacêuticos: Em 1995 movimentou 28% a mais que em 1994. Para 1996 a projeção é um crescimento de 10%; Segundo Abifarma o Brasil é o quarto maior mercado do mundo; Expectativas de investimentos de US$ 310 milhões, consolidando um pólo farmacêutico em Jacarepaguá.
vi)                Papel e Celulose: Não há ainda um processo de reestruturação profundo e abrupto; Brasil tem grandes vantagens comparativas; Somos o 1° exportador mundial de celulose de eucalipto; No segmento de papel o consumo vem crescendo significativamente.
vii)              Siderúrgico: Foi o primeiro a ser privatizado; (o que vem permitindo sua reestruturação e modernização); Produtividade de uma média de 158 toneladas/homem/ano em 1990 (quanto 70% era estatal) para 283 toneladas em 1995. Algumas usinas já atingiram o nível das mais produtivas do mundo; Setor muito concentrado (mesmo em termos mundiais).
viii)            Informática: Muitas pequenas e médias empresas fecharam, viraram representação comercial ou prestadoras de serviços ou se associaram a grandes internacionais; As empresas estrangeiras que tinham alguma fabricação de computadores de grande porte deixaram de fazê-lo porque mudou a tecnologia ou estão sendo substituídos por redes; A IBM e a Compaq, líderes mundiais em microcomputadores implantaram fábricas no Brasil entre 1994-96; Empresas como Acer-Acbr, Epson, Olivetti e HP já entraram ou estão entrando no Brasil, utilizando-se de empresas nacionais; O consumo de micro’s passou de 600 mil em 1994 para um milhão previstos em 1996.
ix)                Construção Civil: Vários itens com crescimento expressivo: cimento 12% (1995) e 21,5 no primeiro semestre de 1996; No primeiro semestre de 1996: válvulas e torneiras de aço forjado (155%); pisos e revestimentos plásticos (57,4%), esquadrias de metal (38/3%), tubos de PVC (32,6%) etc; Levou a um aumento do emprego e ao crescimento no número de domicílios no país.
x)                  Máquinas e Implementos Agrícolas: Grandes empresas “voltando” para o mercado brasileiro: Agco comprou a Iochpe-Maxion, a John Deere associou-se à SLC e a J.I. a Case deverá retornar ainda em 1996; Grande concentração no setor: no segmento de tratores há cinco produtores no Brasil: Iochpe-Maxion, New Hollland, Agrale, J.I. Case e Valmet; no de colheitadeiras há três: SLC-John Deere, New Holland e Iochpe-Maxion. Nos implementos apenas 20 dominam a produção e apenas algumas tem condição de competição internacional; As perspectivas são boas na medida em que o setor se demonstra mais estável.

Deste modo, conclui-se que a economia está passando por um profundo processo de reestruturação: no setor automobilístico o processo é claro dado pelos novos padrões de atuação das empresas internacionais; nos setores de alimentos e eletroeletrônicos de consumo a velocidade das transformações é surpreendente; alguns setores como o de calçados e têxteis estão sendo obrigados a renovar-se sob pena de deixarem de existir; no caso dos bens de capital e tecnologia de ponta o passo inicial é posicionarmos entre a política desenvolvimentista e a liberal. Desse modo,  as perspectivas em direção a explosão do desemprego são questionáveis, há um processo de  concentração e desnacionalização que é positivo, observa-se a ruptura do tripé capitalista e assistimos agora a um processo de reintegração produtiva que, se persistente e auxiliado por uma política de investimentos, permitirá o adensamento das cadeias produtivas com internacionalização da produção.
“Uma Política de Investimentos e Competitividade não deve ser confundida com a velha política industrial do passado em que a proteção a determinados setores, comprometia a produtividade de toda a economia. Não se pode repetir o erro de dar incentivos para alguns setores à custa da perda de competitividade internacional e da obsolescência tecnológica. Também não é mais possível criar competitividade às custas do Tesouro Nacional, nem reproduzir o velho jogo de “escolha de ganhadores”
Com esta análise em mente, acredita-se que os objetivos a serem alcançados podem ser assim sintetizados:

      Reestruturação dos setores mais afetados;
      Adensamento das cadeias produtivas;
      Aumento do valor adicionado e modernização tecnológica das exportações;
      Redução do custo de produção;
      Criação de linhas e instituições de crédito;
      Criação de linhas especiais de crédito;
      Criação e desenvolvimento de parcerias no risco dos projetos;
      Políticas horizontais gerais;
      Políticas de suporte das exportações;
      Políticas de atração de investimentos e upgrade tecnológico
      Políticas específicas para pequenas e médias empresas;
      Defesa da concorrência no mercado interno;

Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.


           

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