SALLUM Jr., Brasílio. Globalização e desenvolvimento: a estratégia brasileira nos anos 90. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo, n.58, p. 131-156, 2000.
O artigo argumenta sobre as diferentes formas de integração no sistema mundial do capitalismo atual e que os processos de desregulamentação dos mercados não se dão de forma homogênea e nem radical conforme a versão fundamentalista de neoliberalismo, pois, principalmente no caso do Brasil, adota-se de maneira crescente, o “liberal-desenvolvimentismo” em substituição ao nacional-desenvolvimentismo a partir de 1990, com uma estratégia liberalizante e internacionalizante, consubstanciada com o Plano Real e o primeiro governo FHC.
Na década de 1980 a recomendação política dominante passou a ser a de que os países em desenvolvimento se integrassem cada vez mais à economia de mercado, desse modo, o Estado começa a distanciar-se do “estado interventor” e passar a ser o garantidor da acumulação do capital, isto é, o agente indutor do capitalismo, na crença, cada vez maior, do “mercado regulador”. Sallum cita dois trabalhos que ilustram a orientação básica na literatura internacional sobre o desenvolvimento. O primeiro, de Stephen Haggard, trata da integração crescente dos países a um novo ordenamento mercantil, desse modo há a redução das diferenças de ordenação ligadas ao comércio externo (barreiras alfandegárias e não alfandegárias) e a homogeneização do ambiente institucional da economia (tratando de igual para igual o capital local e o estrangeiro, reconhecendo direitos autorais e patentes industriais, etc.). O segundo, de Sebastian Edwards, coloca em questão o “novo consenso” a respeito da política econômica adequada para os países: estabilidade macroeconômica, abertura para capitais estrangeiros, redução do papel do Estado no processo produtivo, e a implementação de políticas para a redução da pobreza. Desse modo, notamos a diferenciação das ideias anteriores de que o fluxo de capital se dá na tríade (EUA, UE, JAPÃO) e que o capital não teria interesse em outros lugares para a ideia de que o capital vai levar o desenvolvimento para quem abrir os espaços (“como deveria ser óbvio, os investimentos dirigem-se para onde há boas oportunidades de lucro a médio e longo prazos, dentro de certa margem de risco”.) para ele e que este desenvolvimento depende muito mais das empresas do que do Estado. Observemos aqui, então, uma quebra de paradigma, construído pelo novo capitalismo mundializado.
O epicentro desse movimento foi o sistema monetário internacional, baseado em taxas de câmbio fixas e tendo o dólar (vinculado ao ouro) como moeda de reserva mundial. Esse sistema abriu caminho para a produção e consumo e massa seguindo o exemplo norte-americano quando criou um padrão relativamente aberto de trocas e investimento internacionais pelo sistema monetário e pelo Plano Marshall. Cria-se, a partir disso, um “regime de regulação” e o sistema capitalista passa a se integrar de forma crescente, no entanto, mantinha-se “inter-nacional”. Este regime começa e desagregar-se em 1970 com a desvinculação entre dólar e ouro e introdução de taxas flutuantes de câmbio (Bretton Woods) colocando em cheque as instituições legadas pelo antigo regime e conformando, parcial e desigualmente, uma nova forma de organização do capitalismo mundial: “Sem dúvida é a internacionalização dos mercados financeiros o fenômeno mais notório dentre os associados à noção de globalização”. (SALLUUM, p. 135)
O mundo das multinacionais sem fronteiras, isto é a “Globalização” é mais uma tendência do que uma realidade, mais metáfora do que realidade. De qualquer modo, vêm alterando profundamente a autonomia que os Estados nacionais tinham na “era de ouro” do capitalismo. As alternativas agora não são mais estratégias de construção de capitalismos nacionais, não é tanto se cada sociedade integra-se ou não ao capitalismo transnacionalizado (_o detalhe é que várias sociedades ainda estão à margem do sistema!), mas como está integrada. Alguns autores denominam essa ideia como “Estado de competição” (uma maneira genérica para diferenciar a forma atual das antigas: “liberal”, “de bem-estar”, “desenvolvimentista” etc.) agora é competir pela participação nas disponibilidades financeiras globais e no sistema produtivo integrado que as corporações transnacionais vêm construindo em diversas regiões do globo.
No Brasil, enquanto se dá o desenvolvimento capitalista internacional (1970-1980) experimentava-se um longo processo de transição política. Entra em crise não só o regime militar-autoritário, mas também o Estado nacional-desenvolvimentista que alicerçava a vida política do país desde 1930 e tinha como apogeu a década de 1970. Foram essas crises que desencadearam a transição brasileira para a democracia. Nesses anos o Brasil gerou regras e práticas democráticas e de convivência política, mas não alcançou (pelo menos até 1994) a estabilidade. Experimentou, por sua vez, a deterioração da estratégia nacional-desenvolvimentista: o investimento externo, componente essencial no padrão brasileiro de desenvolvimento, converteu-se em 1980 em desinvestimento; as políticas foram particularmente contraditórias nesse período _tentaram ajustar o velho modelo as dificuldades do ambiente externo, orientaram o sistema econômico a produzir saldos crescentes na balança comercial para cobrir as necessidades destinadas ao serviço da dívida externa; o sistema empresarial foi esvaziado do seu dinamismo próprio e subordinado aos objetivos mais amplos do “ajustamento”. Por outro lado, apesar de decadente, o modelo nacional-desenvolvimentista foi juridicamente consolidado com a Constituição de 1988. “Criou-se uma carapaça legal rígida, aparentemente poderosa, que assegurava a preservação das velhas formas de articulação do Estado e mercado no exato momento em que avançava o processo de transnacionalização no plano mundial.” Assim o país perdeu qualquer sentido próprio ao longo dos anos 1980.
Em 1990, no governo Collor há uma significativa ruptura com o velho padrão nacional desenvolvimentista. Por uma ótica negativa observamos a desistência de construir no país uma estrutura industrial completa e integrada em que o Estado cumprisse o papel de “proteção”, já por uma ótica positiva essa estratégia pode ser definida como de integração liberal da economia doméstica ao sistema econômico mundial _ o sistema industrial doméstico tendia a converter-se em parte especializada de um sistema industrial transnacional. O governo Collor suspendeu as barreiras não tarifárias às compras do exterior, implantou um programa de diminuição das tarifas de importação em quatro anos, implantou um programa de desregulamentação das atividades econômicas e de privatizações e uma política de integração regional materializada na constituição do MERCOSUL (1991). Dá-se como alguns motivos do fracasso dos programas de estabilização a recessão vigente na maior parte do período, a política cambial favorável às exportações que desestimularam novos investimentos e restringiram a concorrência dos produtos estrangeiros. Em contrapartida, a indústria doméstica encontrou no MERCOSUL um “escape” à recessão interna e às dificuldades de competir no plano mundial.
O Plano Real (1994) deu mais consistência à inflexão liberal iniciada por Collor. As reformas institucionais promovidas por FHC vieram quebrar o arcabouço legal que conformava o velho Estado nacional-desenvolvimentista, reduzindo a participação estatal nas atividades econômicas e dando igualdade de tratamento às empresas de capital nacional e estrangeiro, quadro que expressa o consenso político liberalizante e internacionalizante que vinha sendo construído desde o final dos anos 1980. Já a política macroeconômica foi objeto de grande controvérsia ideológica e disputas políticas por duas variantes do liberalismo _ uma modalidade mais doutrinária: o neoliberalismo; e outra que se mescla com a tradição desenvolvimentista anterior: o liberal-desenvolvimentismo, isto resulta em certa “ambiguidade estratégica” vista pelo menos no primeiro governo FHC. Do início do Plano Real até 1995 a política macroeconômica operou basicamente sob uma ótica neoliberal e com alta dose de voluntarismo. A partir dai o governo tomou uma série de metidas que matizaram o radicalismo de sua orientação inicial.
É sabido que o Plano Real faz parte da família de programas de estabilização baseados na melhoria das condições de oferta de capitais externos para a América Latina nos anos 1990, já que fora ampliado a oferta de capitais que permitiu a vários países desencadear programas de estabilização ancorados no dólar. No Brasil há uma relação flexível que dependia do volume de oferta e procura das moedas e da intervenção das autoridades monetárias.
Neste comenos, um dos problemas encontrados pela frente foi a crise financeira do México, que mostrou que, dependendo das conjuntura internacional, um desequilíbrio acentuado na balança comercial e de serviços pode encontrar dificuldades para ser financiado externamente. Além disso, a enorme apreciação cambial apontou para a possibilidade de desindustrialização do país já que ficava mais vantajoso importar do que produzir internamente (setor automotivo, por exemplo). Tal observação apareceu assustadora para as elites, pois ameaçava inviabilizar o que fora uma das aspirações básicas da política brasileira dos últimos cinquenta anos. Essas consequências negativas reorientaram a política macroeconômica na implementação de políticas de proteção e estímulo a atividade industrial e de serviços, como por exemplo, o recuo da liberalização do comercio exterior. (foram elevadas as tarifas de importação de 106 produtos, sendo os mais importantes automóveis, eletroeletrônicos e eletrodomésticos). Ao lado dos estímulos setoriais o governo iniciou programas de recuperação da infraestrutura de transporte, armazenagem, energia, irrigação, etc. tratava-se, como afirma a retórica empresarial, de reduzir o “custo Brasil”.
No entanto, as “reformas orientadas para o mercado” e, em especial, a política macroeconômica posterior ao início do Plano Real produziram esgarçamento, debilitação e rupturas o sistema produtivo. Os ataques especulativos à moeda se deram, de maneira substancial, após a crise mexicana, se repetiu na sequência da crise asiática (fins de 1997) e após a moratória da Rússia (agosto de 1998) tendo o governo agindo de maneira similar: manteve a estabilidade da moeda elevando os juros para preservar reservas e conter a atividade interna e o desequilíbrio externo. Foram tais medidas compensatórias que afastaram aos poucos o conjunto das políticas de Estado do modelo neoliberal, no entanto, orientado a atrair ao máximo os investimentos estrangeiros e promover sua associação com empresas nacionais.
De fato, desde os anos 1950, nacional-desenvolvimentismo e neoliberalismo estiveram em choque e definiram-se por oposição mútua. Sendo que o liberal-desenvolvimentismo de forma alguma surge de uma reorganização, de ideias de desenvolvimentistas agora convertidos à perspectiva liberal, ele resulta da convivência tensa e conflituosa, de orientações que antes se excluíam mutuamente e seu caráter sistemático aponta para possibilidades de ser um embrião de desenvolvimento capaz de sustentar-se ao longo do tempo.
Por fim, o artigo reconhece a inviabilização do projeto de criação de capitalismos com bases nacionais nessa nova etapa de desenvolvimento globalizado, porém não aceita a implicação que todos os países venham a integrar-se do mesmo modo no sistema capitalista mundial. Mostra este que, ao longo dos anos 1990 o Brasil coloca uma nova estratégia orientada para a redução do papel regulador e eliminação das funções empresariais do Estado, a abertura e a integração da economia doméstica na economia mundial, por meio do MERCOSUL. Também que, não foi sustentada uma estratégia “fundamentalmente neoliberal”, e aos poucos, paralelamente, foi-se arranjando iniciativas de estímulo e proteção a atividades econômicas domésticas, que são o embrião de uma nova variante estratégica: o “liberal-desenvolvimentismo”. A partir de 1999 quebra-se as bases macroeconômicas que sustentaram o primeiro mandato de FHC com uma mudança radical da política de câmbio _ em lugar do câmbio semifixo e sobrevalorizado, instituiu-se um câmbio flutuante, ao invés de uma taxa de juros altos, o BACEN passou a orientar para a baixa de juros até o patamar internacional, na medida em que a inflação permitisse _ com isso, a crise econômico-financeira dá o impulso de uma possível transformação política no seu interior, em direção à construção de uma estratégia liberal-desenvolvimentista.
Leandro Moreira da Luz é aluno da disciplina Economia Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá – período 2/2011.

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