CHESNAIS, François. A globalização e o curso do capitalismo de fim-de-século. Economia e Sociedade, Campinas, n.5, p. 01-30, dez., 1995.
O artigo defende a hipótese do novo regime de acumulação para a economia capitalista de fim-de-século, definido pela busca da centralização e reprodução do capital sob a forma de dinheiro, o que Chesnais batiza de “mundialização de capital” com inspiração marxiana denunciando uma filiação teórica que corresponde a estudos franceses dos anos 1970, sendo que esta representa uma fase de um processo muito mais longo de constituição do mercado mundial e, depois, de internacionalização do capital. É observado também, já na introdução deste, que a economia mundial entra numa fase depressiva de longa duração onde se pode ressaltar: deflação rastejante, marginalização de regiões inteiras em relação ao sistema de trocas e uma concorrência internacional cada vez mais intensa.
No período em questão há a predominância de um capitalismo rentista, cujo funcionamento é subordinado à centralização do capital-dinheiro, principalmente através dos fundos de investimento e pensão. Significando mudanças qualitativas nas relações de força política entre o capital e o trabalho, assim como entre o capital e o Estado, principalmente na forma de Estado de Bem-Estar. O que se observa é que desde 1974-75 o capital molda uma maneira de romper as amarras das relações sociais, leis e regulamentações, notadas no discurso dominante como “inevitável” por estar ligado a uma “globalização da economia” imposta pelo “jogo livre das leis do mercado” o que, teoricamente, favoreceria o consumidor pela concorrência “com igualdade de armas” trazida pela “liberdade de mercado”. No entanto, esta “mundialização das trocas” não acontece e sim a “mundialização do capital” tanto na forma sua industrial quanto na financeira.
Podemos notar esta “mundialização do capital” no fato que: o investimento internacional domina a internacionalização mais do que as trocas fazem; os fluxos intrafirmas vêm adquirindo peso maior; há o fortalecimento das instituições bancárias e financeiras cujo efeito é facilitar as fusões e aquisições transnacionais; há o aparecimento de novas formas de transferências internacionais de tecnologia além dos tradicionais: concessão de franquias, comércio de patentes, etc. como meio chave de acesso a novos conhecimentos e às tecnologias-chave; e, aparecem novos tipos de empresas multinacionais com formas organizacionais tipo “rede”.
É ressaltada, neste contexto, a rivalidade entre o capital comercial e o industrial, porque o primeiro realiza operações que tradicionalmente eram competência deste último, colocando o capital-dinheiro numa situação de autonomia perante o capital industrial, cujos limites se dão por meio da viabilidade a médio e longo prazo de “um regime de acumulação rentista”. Sendo importante ainda, frisar o modo como os grupos industriais procuraram afrouxar as restrições: o crescimento dito “externo” que permite adquirir rapidamente fatias de mercado (via fusões e aquisições), a ruptura das relações fordistas com os assalariados e a internacionalização crescente.
As novas tecnologias (predominantemente as da informação) foram usadas para organizar seu processo de internacionalização e para modificar fortemente as relações com a classe operária no setor industrial, sendo que o aumento substantivo da produtividade nas atividades de serviços concentradas (“industrializadas”) e no setor manufatureiro, assim como o reestabelecimento espetacular da rentabilidade do capital aplicado nesses setores, deve-se do jogo combinado de fatores tecnológicos e organizacionais.
Como podemos notar, predomina neste “modelo” o princípio da “produção enxuta” ou “desengordurada”, e o modelo ohnista japonês de organização do trabalho, todos baseados na desregulamentação e na “flexibilidade” dos contratos salariais, cada passo à frente, no sentido da introdução da automação contemporânea baseada nos microprocessadores. Os sistemas toyotista e o just-in-time foram adotados de maneira ainda mais rápida e fácil.
Esse modelo “precário” do emprego permitiram áreas de baixos salários e pouca proteção social na proximidade de suas bases. Não havendo uma criação de novos meios de produção, mas sim uma mudança de propriedade de capital pois, 80% dos investimentos diretos estrangeiros ocorreram entre países capitalistas avançados, sendo que mais de três quartos das operações tinham por objeto a aquisição e a fusão de empresas já existentes. Sendo, portanto que, o oligopólio mundial constitui hoje em dia a forma mais característica de oferta.
O “sistema nervoso central” da core organization é uma sociedade holding. Isto é, trata-se de grupos financeiros com dominância industrial e com diversificação para os serviços financeiros, além de uma atividade crescentemente importante como operadores no mercado de capital. É observado, também, a emergência de formações híbridas chamadas de “firmas-rede”, o que define-se pelas participações minoritárias e, principalmente, dos numerosos acordos de subcontratação e de cooperação interempresas entre parceiros de poder econômico frequentemente muito desigual. E, por fim, percebe-se que os fluxos de trocas são sucessivamente criados e destruídos, sucessivamente.
A economia “globalizada” é excludente, pois é dirigida pelo movimento de capital e nada mais. As operações realizadas com fins lucrativos são, por definição, “seletivas”: essas operações não são realizadas em atividades ou (no caso do investimento estrangeiro) em países onde a rentabilidade é baixa ou nula. Desse modo, os países em desenvolvimento não são mais “reservatórios de matérias-primas” ou de mão-de-obra barata, eles já não oferecem praticamente nenhum interesse, nem do ponto de vista econômico e nem do estratégico para países ou firmas localizadas no seio do oligopólio, com exceção de um pequeno número de “novos países industrializados” que haviam alcançado, antes de 1980, um grau de desenvolvimento suficiente para se adaptar, com muita dificuldade, aos novos ritmos da produtividade do trabalho e de um número ainda mais restrito de países ligados aos três polos da Tríade. O sistema mundial é integrado fortemente no campo financeiro e ainda mais fortemente aos investimentos diretos estrangeiros e às mercadorias. Mas não é integrado quanto ao preço de venda e às condições de utilização da força de trabalho pelas firmas.
A hipertrofia da esfera financeira se deu à base de lucros não remetidos e, também, não reinvestidos na produção pelas empresas transnacionais norte-americanas que se expandiram no mercado dos eurodólares em meados dos anos 60. O triunfo de uma abordagem essencialmente rentista, cuja obsessão é mais a apropriação de riquezas do que sua criação mediante ampliação da produção foi fortemente facilitado pelo surgimento de novas formas de centralização do capital-dinheiro, que não fossem os bancos e sem as tradições e a relativa disciplina que esses haviam outrora aceitado. O crescimento dos grandes fundos de pensão anglos saxões e japoneses, assim como aquele dos fundos comuns de aplicação e de gestão de portfólios de títulos (mutual funds) geraram instituições que lidam com massas financeiras gigantescas. Seu advento representa um salto qualitativo no processo de restauração do “poder opressor” do capital rentista que Keynes tanto temia e denunciava. Esta promoção do capital-dinheiro a um status em que parece se desligar da produção e da troca e a partir do qual teria que dominar a vida econômica e social mundial pode ser interpretado como o último grau na fetichização das relações de propriedade capitalista. (Temos aqui D – D’, ou seja, dinheiro produzindo dinheiro, valor se valorizando por si só, sem nenhum processo que sirva de mediação entre os dois extremos). No entanto, esta autonomia não é senão relativa, pois o capital que se valoriza na esfera financeira nasceu, e continua nascendo, da esfera produtiva. Nada cria por si só. As bolhas especulativas que se desenvolvem em torno deste ou daquele “produto”, deste ou daquele compartimento do mercado pressupõem que, em paralelo, as punções e as transferências continuem ocorrendo a partir da esfera produtiva, se possível de modo ininterrupto. Doravante, qualquer ativo financeiro é suscetível de ser objeto de operações de “realização de lucros”. A operação das “arbitragens” depende da estrutura do portfólio de ativos dos operadores e da atratividade relativa de formas distintas de aplicação.
Neste mesmo diapasão, segundo o autor o que é exposto até agora pode ser agrupado para avançar na sua hipótese de entrada numa fase, possivelmente demorada, de crescimento mundial muito baixo, muito instável e repleto de conflitos, marcada por desemprego estrutural elevado e por deflação rastejante.
O fato da destruição de postos de trabalho ser muito maior que a criação não deve apenas a uma fatalidade imputável à “tecnologia” per se. Decorre também do capital industrial em investir e desinvestir como queira, quanto no país quanto no exterior, e também na liberdade de intercâmbios. Constata-se, é claro, também que os novos proprietários do capital (fundos de investimento, fundos de pensão, companhias de seguro) atuam com uma pressão significante no sentido de reduzir ainda mais os custos, “desengordurando o número de empregados” e automatizando o mais rápido possível. A mobilidade do capital obriga os países a padronizar suas leis trabalhistas e de proteção social de acordo com aquelas dos Estados que lhes são mais favoráveis. Os investimentos diretos estrangeiros não são sinônimos de criação de nova capacidade, é por meio de fusões/aquisições que os grandes grupos procuram conquistar suas fatias de mercado.
Neste sentido, os efeitos observados sobre a demanda efetiva são:
a)consumo das famílias_diminuição da renda do trabalho assalariado; aumento da tendência em poupar da população de renda média;
b) empresas _ redistribuição da renda nacional em favor dos rendimentos rentistas, levando a uma polarização da oferta nas altas rendas, que moldas aos poucos os contornos e orienta parte das despesas em P&D industriais para objetivos estéreis do ponto de vista social; forte propensão às fusões/aquisições, prioridade aos investimentos de reestruturação e de racionalização, seletividade muito forte na localização (subvenções, vantagens tributárias, relaxamento da legislação trabalhista)
c) Gastos Públicos _ diminuição da base tributária (devido primeiro ao desemprego e depois à estagnação do consumo), aliviação da carga tributária sobre o capital e os rendimentos e aplicações financeiras (compensados pelo aumento da dívida pública).
Por fim, Chesnais coloca que a esfera financeira alimenta-se da riqueza gerada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho. Ela não gera nada por si própria. Representa um jogo de soma zero, pois o que é ganho por alguém é perdido por outro. Assim anunciam-se crises quando esta esfera deixa de ser alimentada por fluxos substanciais de origem produtiva e observa-se, também, uma extrema sensibilidade desse sistema hipertrofiado financeiro em relação às modificações da conjuntura. A volta a uma conjuntura internacional muito desfavorável, se não abertamente recessiva, pode, portanto estar prenunciando falências e outros graves surtos do lado do sistema financeiro, cujos efeitos sacudirão, por sua vez, todas as atividades de produção e de troca.

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